Não quero ser sozinha no mundo em que sou
estranha, é sempre melhor achar algum estranho para conversar. Não sei dizer
por que me tornei estranha, nem quando isso aconteceu, se foi um dia em que não
me reconheceram porque havia mudado o cabelo ou quando não me reconheci porque
mudei algo do lado de dentro.
Tem
aqueles dias que fico cheia de tudo, tão cheia que tiro tudo de dentro de mim,
as cartas de amores partidos, aqueles que estavam esquecidos, relembro dos
amados e desalmados, escrevo para todos eles e depois mastigo cada folha para
deixar tudo em seu devido lugar. A gente procura novidade e demora a acostumar
com a nova visita, que quando se torna conhecida vai embora e deixa um vazio
estranho e você se enche de saudades.
Amigos
vêm e vão com a mesma intensidade que ninguém nunca quis conselhos, sermões, eu
disse isso e aquilo, a gente só quer um ombro amigo, ombros que não falem,
ombros que enxuguem lágrimas. Eles sempre acabam falando em momentos que ficar
quieto é a melhor opção, mas eles não são estranhos e falam porque são sinceros
e diretos, amigos. Até parece estranho tanta intimidade, parece cruel tanta
franqueza.
Vamos
para a rua procurar a indiferença que acontece no vai e vem da normalidade.
Esperar o ônibus ao lado da senhora que não te dá bom dia, ser atropelada pelo
ciclista que sai te xingando e logo é atropelado por um carro, desviar do
mendigo que dorme com tranquilidade na calçada, enquanto você entra no prédio e
o porteiro aperta o botão do elevador para você (que não sabe o nome do
porteiro, nem ele o seu).
Hoje
é um dia tipicamente estranho, cheio de ideias, cheio de sonhos, cheio de amores
e eu mais cheia de mim, enquanto quero que os amigos ignorem as lágrimas que
caem em seus ombros, apenas se movam ao som da música de sábado à noite e
sejamos todos estranhos de nós mesmos, sem precisar reconhecer os sentimentos
que entram sem falar “podemos nos conhecer?”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário