"A NOSSA LINGUAGEM CRIA O MUNDO."

quinta-feira, 21 de julho de 2011

JUNO - TIC TAC DE LARANJA

 

Juno é um filme independente que chamou a atenção pelo roteiro de Diablo Coby premiado no Oscar de 2008. Logo, pressupomos que o filme não passa de mais um filme “teen”, uma propaganda com elementos coloridos e atores adolescentes, nenhuma novidade. Além de tudo, o gênero é rotulado de comédia, o que nos faz pensarmos em comédia romântica e seus clichês. Porém, trata-se de uma comédia carregada de drama que se expressa de uma maneira “fofa” para os jovens e não tão jovens assim. Acredito que filmes “fofos” tornaram-se uma marca positiva dentro de um mercado cinematográfico que quando trabalha com comédia não sabe fugir do mal gosto de cenas que ao invés de te fazer sorrir te leva a mais profunda irritação, com personagens bobos em uma história mais boba ainda.
O filme que estamos tratando tem bons atores do universo jovem, digamos que jovens do mundo alternativo como Michael Cera (de Scott Pilgrim). Esse universo também está presente em Juno, pessoas que gostam de rock, quadrinhos, que fazem música para ganhar dinheiro ou para se divertir. Juno, a personagem que dá nome ao filme, não chega a ser uma nerd, mas poderia ser. Porém, é justamente isso que ela está buscando, o que ela é em um mundo teen onde todos se rotulam de alguma coisa para poderem estar inseridos em alguma tribo.  
A gravidez da garota chega de uma maneira precoce a sua vida, fato que a leva optar pela doação do filho a uma família que deseja adotar um bebê. Essa é uma cultura norte-americana que deveria ser adotada em outros países, já que existem tantos jovens sem maturidade para serem pais e que acabam tento filhos e abandonando em latas de lixo ou dando uma educação sem nenhuma estrutura, criando indivíduos perdidos em uma sociedade em que eles chegaram de maneira indesejada.
A personagem de Juno é bem construída, já o personagem de Cera, Bleeker, deixa o questionamento no público de que deveria desempenhar uma função maior na obra, até pelo fato de ser o pai do bebê. Porém, a proposta é focar-se em Juno, que quebra a reação moralista que a sociedade tem diante de uma gravidez na adolescência. A família lhe dá total apoio, mostrando como os pais reagem aos tropeços dos filhos, que mesmo estando errados recebem o amor dos pais em qualquer circunstancia. A garota decide entregar o filho para outra família sem passar por nenhum conflito gerado pela duvida da decisão. É claro que tudo isso é muito utópico, já que na vida real os problemas não seriam enfrentados de maneira tão objetiva. Mas é cinema e podemos colorir um pouco as coisas, quando a proposta é, justamente, criar uma atmosfera agradável, diante de um fato que é sempre tratado de um modo negativo e “pesado” nas mídias e no cotidiano em que nos vemos inseridos.


FICHA TÉCNICA


Título original: Juno
Lançamento: 2007 (Canadá, Hungria, EUA)
Direção: Jason Reitman
Atores: Ellen Page, Michael Cera, Jennifer Garner, Jason Bateman.
Duração: 96 min
Gênero: Comédia

ESTRANHOS NORMAIS


Estranhos Normais (Happy Family) é uma adaptação para o cinema da peça italiana de Alessandro Genovesi e do também diretor do filme Gabriele Salvatores.
A partir de um roteiro que o protagonista está escrevendo surgem os personagens que em uma metalinguagem conversam com o criador, dando sugestões para os caminhos que irão seguir na história e se rebelando com decisões do roteirista.
Podemos dizer que a obra lembra muitas características existentes na produção de Woody Allen, este que produz cinema de autor, meta que o personagem quer alcançar (produzir um cinema de arte). Com esse intuído ele acredita que deve deixar sua obra aberta, trabalhando com o conceito de que uma obra de arte deve deixar a reflexão para o espectador, dar o direito do final ao público.
Voltando as características de Happy Family que podem ser comparadas as de Allen, percebemos a conversa do personagem com a câmera, ou seja, conosco, ocorrendo isso ainda no inicio da obra, como geralmente acontece nas obras de Allen. O personagem não está em seu melhor estado psicológico, passando por algumas dificuldades amorosas entre outras. Os personagens que conhecemos durante a diegese são construídos por neuroses compartilhadas dentro de instituições familiares falidas. Também há o momento em que Caterina e Ezio estão conversando (flertando) na varanda em um cenário parecido com o de Annie Hall e os pensamentos dos personagens nos são revelados assim como no filme de Allen que usa legendas para tal feito.
Podemos dizer que o tema principal é a própria reflexão sobre a obra, desde o processo criativo do roteirista até o resultado final, que nem sempre obedece a ideia inicial do mesmo, modificada pelo diretor e atuação dos atores, que nesse caso são representados pelos personagens.
O protagonista nos chama a atenção para os medos que sentimos e que o filme é dedicado aos que cultivam essa fraqueza, ou seja, a todos nós, já que esse sentimento existe para que possamos viver seguros (ou deixarmos de viver para que os riscos sejam excluídos).
Enfim, os personagens são belíssimos, carismáticos e fascinantes. Personagens que estão se descobrindo e redescobrindo-se. Eles descobrem o amor ou a falta dele. O amor entre casados, o amor entre amigos, o amor de pai e de mãe, o amor pelo mar, o amor homossexual, o primeiro amor (que não será o último) e o amor de namorados, aquele que te deixa nervoso, te faz ver o mundo mais colorido e que deve ser cultivado para sempre para não cair no tédio da vida a dois.


FICHA TÉCNICA


Título no Brasil: Estranhos Normais
Título Original: Happy Family
País de Origem: Itália
Gênero: Comédia
Classificação etária: 14 anos
Tempo de Duração: 90 minutos
Ano de Lançamento: 2010
Estréia no Brasil: 01/07/2011
Estúdio/Distrib.: Pandora Filmes
Direção: Gabriele Salvatores

sexta-feira, 15 de julho de 2011

SCOOP


Scoop – O Grande Furo é mais um grande acerto de Wood Allen, diretor de cinema autoral. É impossível assistir um filme de Allen sem fazer referencia as outras obras, é como se ele usasse o mesmo tempero, mas com um novo segredo que nos faz ter uma ansiedade em ver suas obras, sempre inteligentes com uma ironia própria do autor.
Scoop é um termo usado no jornalismo para designar um grande furo de reportagem, como o titulo em português nos explica (O Grande Furo). Pois, o público brasileiro é sempre menosprezado em sua inteligência, talvez pela rotina que temos em fazer os blockbusters lucrarem com nossa falta de consciência em dizer não a certos enlatados importados.
Mais uma vez Allen acerta em nos presentear com a atuação de Scarlatt Johansson em sua produção, que atualmente está sendo mal usada em filmes como A Viúva Negra e coisas horríveis do gênero. Mas Allen sabe do seu talento, usado também em Match Point e Vick Cristina Barcelona. Tanto que escreveu a sua versão feminina para a atriz em questão nesse filme.
Sondra é muito parecida com o alter ego de Wood Allen interpretado no decorrer de seus filmes, inclusive em Scoop, onde o seu personagem, Sidney, e Sondra se parecem muito. Tanto que Peter, o anti-herói da trama, menciona a semelhança entre eles (Sondra e Sidney). Podemos perceber que é nítida essa tentativa, até na aparência física, Johansson encarna o estilo de Allen, roupas simples, óculos...
O filme foi lançado em 2006 e volta muito ao estilo de comédias dirigidas por Wood Allen no século passado e também em O Escorpião de Jade. No segundo caso, o estilo investigativo toma conta da tela, também, adaptado em Scoop.
A comédia, realmente, consegue arrancar risos, não é um drama intitulado de comédia para dar mais lucros à indústria. O tom melancólico de Scarlatt desaparece dando lugar a uma desajeitada e apaixonada estudante de jornalismo. As neuroses de Wood Allen e reflexões sobre a mediocridade humana dão um pouco de espaço ao simpático mágico, um tanto desastrado e muito carismático.
O fantasma está presente na obra, assim como é possível vê-lo em outros filmes do diretor, como em Match Point, onde Scarlett mesmo surge como um fantasma no fim da diegese.
Finalmente, Scoop tem seus fãs e inimigos. Ver o lado positivo do filme é muito mais sensato, pois as criticas positivas estão pedindo para surgirem na obra ao contrário das negativas que seus adeptos terão muito trabalho para construí-las.
E a mensagem é: sempre confie no seu amigo, ele nunca vai te abandonar ou mentir, já o seu namorado pode te decepcionar e querer te matar, não literalmente como no filme, mas o seu coração com certeza pode sofrer sérios atentados.


FICHA TÉCNICA
 
 
Título original: (Scoop)
Lançamento: 2006 (EUA, Inglaterra)
Direção: Woody Allen
Atores: Woody Allen, Hugh Jackman, Scarlett Johansson, Fenella Woolgar, Kevin McNally.
Duração: 96 min
Gênero: Comédia

quinta-feira, 14 de julho de 2011

TUDO PODE DAR CERTO


É sempre complexo falar sobre uma grande obra, afinal sempre se espera produzir um texto a altura. Logo, comentar sobre um filme de Woody Allen causa certa dificuldade em expressar palavras que definam a imensidão de sua obra.
Pois bem, tentemos comentar sobre “Tudo pode dar certo” e que o título possa ser usado para a resenha em questão, que tudo dê certo.
O filme com o título original “Whatever Works”, algo como tanto faz, nos introduz na vida do alter ego do diretor, muitas vezes já representado na tela do cinema. Boris é o típico neurótico, intelectual e egocêntrico que sempre surge nos filmes de Allen, geralmente, interpretado por ele mesmo. Nessa obra Larry David dá vida ao personagem de maneira fascinante.
Boris conversa conosco, o público, e podemos perceber que somos os únicos que ele não despreza, não xinga e menospreza. Todos os personagens são medíocres, micróbios e burros demais para entender a genialidade de Boris. Ele culpa a sua dificuldade de socialização ao fato de ser superior a toda a humanidade.
Melody é uma jovem que entra na vida de Boris, julgada intelectualmente inferior ao personagem, é claro, afinal, ninguém é superior a ele, nem mesmo igual. No entanto, a sua “burrice” acaba encantando-o, algo que ele justifica como um amor irracional, pois racionalmente seria impossível, um gênio, que quase foi indicado ao premio Nobel, apaixonar-se por alguém tão insignificante intelectualmente.
Vejamos que Boris representa a classe de intelectuais que se tornam anti-sociais. Temos vários exemplos de artistas que se isolam da massa que vive feliz mergulhada na hipocrisia, que não questiona a si mesmo e os que estão a sua volta. É como se o conhecimento mostrasse o verdadeiro mundo e aqueles que conseguem enxergar são os loucos, os neuróticos, os chatos, os egocêntricos.
A criticas feitas por Allen continuam as mesmas, a religião, o conservadorismo republicano, o preconceito americano, tudo isso construído em personas “fabricadas” na America do Norte.
Enfim, tanto faz ser inteligente ou alienado, no fim todos vivem no mesmo mundo caótico, alguns aceitam, outros questionam e ainda tem aqueles que não aceitam a vida imposta, no caso dos suicídas. Tanto faz se seu QI é alto, se você tem o que ensinar e o que questionar, no fim você deve se adaptar a maioria e seus costumes fúteis, como uma festa de ano novo.


FICHA TÉCNICA


Whatever Works

EUA , 2009 - 93 min.

Comédia / Romance

Direção: Woody Allen

Roteiro: Woody Allen

Elenco: Larry David, Evan Rachel Wood, Patricia Clarkson, Ed Begley, Conleth Hill, Michael McKean, Henry Cavill, Jessica Hecht, John Gallagher, Carolyn McCormick, Christopher Evan Welch.

terça-feira, 5 de julho de 2011

SESSÃO LIONEL E FRANCISLEX

Uma vez por mês estaremos postando histórias do livro "Lionel Dibbs e Francislex Médsdons: Os Herdeiros Cabeças de balão", de Tiago WSV, criador dos personagens que vão cativar os leitores. Apreciem a história que inaugura a sessão.

Play
Lionel Dibbs é um comediante fracassado, Francislex Médsdons é o vocalista de uma banda fracassada. Os dois receberam uma herança de um bilionário que conheceram num bar, junto com a herança veio uma empregada que tem muito tempo de existência, vão conhecer um mendigo, e outro cara com muito tempo de existência, etc, etc, bla, bla, bla... Boa Leitura e paciência, você irá precisar.

A Máquina Do Mal
Francis navega na internet, quando chega Lion.
Lion:_Ei Francis, vamos sair cara?
Francis:_Agora não... to tuitando.
Lion:_Vamo lá cara.
Francis:_Agora não... to tuitando.
Uma hora depois.
Lion:_Ow Francis, nós fomos convidados para uma festa la na mansão pleyboy cara.
Francis:_Agora não... to tuitando.
No outro dia.
Lion:_Cara vem aqui no quintal, a Iscarlatt John sou, ta gravando uma cena pra um flime, e escute só, a cena é de sexo, haha-haha-haha... FRANCIS!
Francis:_Agora não... to tuitando.
Uma semana depois.
Lion:_Francis, você não sai daí nem pra ir no banheiro?
Francis:_Agora não... to tuitando... to de fralda.
Lion:_Porra, mas essa fralda ja encheu né.
Francis:_(...)
Lion:_Francis vai ter um show do Bom Jovem aqui na cidade, e eles pediram pra fazer o show aqui da sacada.
Francis:_Agora não... to tuitando.
Lion vai até a outra sala e liga o computador.
Lion:_Vamos ver o que ele tanto tuita. Hããã vamos ver, vamos ver... aqui. "Minha vida não tem sentido #Depre", "Ai que tédio não acontece nada#tedio", "Será que essa rotina nunca vai acabar?", "Hj a unica coisa que aconteceu foi chover", "Hj chorei o dia todo por causa dessa monotonia", "Por que eu me sinto tão sozinho? #solidao"...


Tiago WSV #Todos os direitos reservados.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

CURTA NADA A DECLARAR - GUSTAVO ACIOLI


Jornalista:
Eu queria que você começasse definindo a si mesmo.

Artista:
Eu sou um sonhador. Acima de tudo, um sonhador. Todas as vezes que fui feliz na vida, foi quando eu me permiti sonhar, delirar, inventar as coisas. Sonhar com um mundo melhor, com um país melhor... Imaginar como vai ser quando tudo for diferente, quando eu tiver conseguido realizar meus sonhos. Me imagino dando entrevista, explicando, contando como tudo aconteceu. O sonho, ele te empolga. Você começa a acreditar naquilo, te dá uma coragem, uma força. Agora, toda vez que eu tentei me adequar à realidade, eu fui extremamente infeliz, sabe. Você começa a pensar nas dificuldades, em tudo que pode dar errado... é a sabedoria dos medíocres. A segurança, o bom senso. Você não pode ousar, tentar fazer diferente. Quando você depende do reconhecimento alheio é uma merda, porque você não pode simplesmente existir, a sociedade é que tem que dizer que você merece existir e ser feliz! E é nisso aí que os medíocres dominam, porque eles são a maioria. Então, isso aqui virou o Império da Mediocridade. Bom é ser igual! Bom é ser ruim! É por isso que rapidamente o sujeito tem que ser capaz de desenvolver um certo cinismo pra poder sobreviver. O cinismo é como uma vacina. Na vacina, a pessoa é infectada por um vírus inócuo pra desenvolver a imunidade contra o vírus de verdade. O cinismo é assim: você fica meio acanalhado pra poder não adoecer no contato com a canalhice. O sujeito chega aos 30 anos e já é um amargurado, pelo simples fato de ser brasileiro. Porque ele vive numa realidade que é antibiótica, massacrante.

Jornalista:
Mas você não acha que as coisas podem melhorar?

Artista:
Olha, as chances das coisas melhorarem são, no máximo, iguais às chances das coisas piorarem. O problema é que a gente vive numa merda tão grande que as pessoas precisam se agarrar a uma esperança, acreditar em alguma coisa, pra não se matar, ou pra não entrar em depressão profunda. A religião, por exemplo, é um antidepressivo igual a esses remédios que dão aí pros malucos, que o cara fica todo bobo: Jesus... Jesus... Acaba com o cérebro do sujeito. Passa a ter só vida funcional: acorda todo dia de manhã, pega o ônibus, vai pro trabalho... No trabalho ele só tem que fazer operações básicas, tá tudo nas cartilhas, nos manuais, ninguém precisa inventar nada, porque os gringos já pensam em tudo por nós, é só copiar o que eles fazem. É só traduzir mal traduzido os manuais que vêm de lá. É tudo assim. A novela, toda essa babaquice da TV, é tudo antidepressivo. É tudo droga, tudo tem efeito psíquico. Daí tem a dose de jornalismo que é pra dar aquele choque pra dose de novela que vem depois fazer mais efeito. E é aquele jornalismo de merda, né. O cara tá ali sério, compenetrado, querendo se informar pra saber das coisas e tá sendo feito de palhaço, de otário, sendo manipulado, imbecilizado do mesmo jeito. É o imbecil bem informado. Tudo é entorpecente. Marx dizia mais ou menos isso, só que ele nunca poderia imaginar que o próprio marxismo seria o ópio de muita gente também. Eu fumo só de sacanagem. Nego fica dizendo: quem fuma é isso, quem fuma é aquilo. Vá se fudê! É um fascismo do caralho, porra!

Jornalista:
Você não acha que esse teu discurso não leva ninguém a lugar nenhum?

Artista:
Que discurso?

Jornalista:
Isso que você tava falando antes.

Artista:
Acho. É verdade, acho sim.

Filho:
Pai! Você tá demorando muito pra gente ir pra piscina.

Artista:
Ô, filho! Já tô indo, tá? O papai tá trabalhando. Já tô indo. Vai lá com a mamãe que eu já vou. Esse aí eu botei na Lei de Incentivo à Cultura. É sério! Eu fiz um projeto de documentário pra acompanhar o crescimento dele e aprovei no ministério. É sério!

Jornalista:
E como é que todas essas questões que te tocam tanto, que te deixam assim tão exaltado, afetam o teu trabalho de artista?

Artista:
Agora eu tô passando por uma crise muito grande, sabe. Mas não é crise de criatividade. É crise temática. Eu não tenho nada pra dizer... Porra, eu sou homem, heterossexual, branco, tenho grana... Eu vou falar do quê? Eu penso muito nisso. De amor? Amor é o caralho! Daí, você vai dizer: mas você é brasileiro, já não basta? Eu sei, eu ando pelas ruas. Eu vejo TV, porra! Eu vejo uma criança na rua pedindo dinheiro, isso me comove, me revolta. Mas, daí, eu vou falar o quê? Isso tá errado, isso não pode, isso me deixa triste? Vou xingar o presidente, deus e o mundo? Tá entendendo? Eu vejo o sofrimento, mas eu, particularmente, não sofro. E eu acho uma pretensão muito grande falar em nome dos pobres, falar em nome dos outros. É aquela história dos intelectuais dos anos 60, né, Cinema Novo! Falar em nome do povo. Falar pro povo as coisas que ele tem que saber pra se libertar. É ridículo! Os pobres, os discriminados, os oprimidos sabem dizer sozinhos, sabem se expressar sozinhos, não precisam da arrogância de um cara branco e bem alimentado como eu. E digo mais: estão achando suas próprias soluções, independentemente do Estado, dessa imprensa calhorda e dos intelectuais. Então, pra quem é representante de uma classe falida, como eu, representante de um projeto falido, o que me resta é observar o povo. E olha aqui a contradição, ó. O intelectual brasileiro, os ricos deste país, dizem o povo, quando, na verdade, tão se referindo só aos pobres. Tá vendo? Eu mesmo acabei de cometer esse ato falho agora. Quer dizer, não existe um Povo Brasileiro do qual todos fazem parte. Povo são os pobres. Os ricos são outra coisa. Então, eu não vou falar de fome, porque eu não sei o que é fome. Falar em nome dos que têm fome? Eu considero um desrespeito, uma afronta, eu falar de fome pra quem tem fome, ou em nome dos que têm fome. Eu não vou falar de revolta com a polícia, porque a polícia não me pára, não me revista, não me bate. Quando um policial tem que falar comigo, ele me chama de doutor, entendeu? Então, eu tenho é que ficar na minha, e ver se acho alguma coisa boa pra dizer. Por enquanto, eu ainda não achei nada. E quem não tem nada pra dizer tem mais é que ficar calado. Quer um queijo? Não?

Jornalista:
Bom... Obrigada. Foi ótimo ter você aqui.