"A NOSSA LINGUAGEM CRIA O MUNDO."

sábado, 17 de janeiro de 2015

TÔ NO BAR


Eu sei que eu te chamei e você disse que não vinha, mas eu estou aqui te esperando, eu sei que você gosta desse bar e um dia você vai chegar, eu só quero dizer um oi e perguntar como vai e esperar que você se interesse em perguntar como eu vou e eu irei com você.

Espero que você chegue logo, eu não paro de ir ao banheiro, já bebi demais, odeio ir muito ao banheiro toda vez que bebo demais, odeio quando estamos juntos e eu tenho que perder tempo no banheiro, mas agora tudo bem, você não está aqui mesmo. O problema é se eu estiver no banheiro quando você chegar, não vá embora, sente e me espere, eu não fico ausente por muito tempo.

Já faz alguns dias que estou conversando com os mendigos na calçada, é lá que fico quando o bar fecha até ele abrir de novo, meus novos amigos estão mudando de lado na calçada, foi depois que eu comecei a repetir a nossa história várias vezes, queria outros olhares, eles me olharam de canto e largaram os jornais só para eu deitar, acho que querem me deixar a vontade no caso de você passar por aqui.

Eu pedi mais algumas garrafas da sua cerveja preferida, vê se dessa vez você chega logo, a última rodada me deixou um pouco tonta. 

terça-feira, 18 de novembro de 2014

ALÉM DO PONTO DE CAIO FERNANDO ABREU


 
            Chovia, chovia, chovia e eu ia indo por dentro da chuva ao encontro dele, sem guarda-chuva nem nada (...). Assim chego em Além do Ponto, entre tantos outros contos de Morangos Mofados. Sempre estou na chuva, sem guarda-chuva nem nada, também estou embaixo do sol quente, aquele que queima e deixa meu nariz vermelho, o frio também deixa o nariz vermelho, combinando com as bochechas envergonhadas quando bato na sua porta.

            O personagem de Caio Fernando Abreu é quem ama, que não se protege, torna-se vulnerável e ansioso, enquanto pensa em bater na porta, porque o amor convidou para dar uma passadinha por lá, quem sabe tomam um café, conversam embaraçados, desembaraçam e assistem um filme, enquanto a roupa seca, perdem algumas cenas.

            Teve uma hora que eu podia ter tomado um taxi, mas não era muito longe (...). Vive-se o percurso, o frio na barriga, a espera, a incerteza e a esperança de bater na porta, ela se abre com um sorriso do outro lado: entre logo, está muito frio aí fora.   
 
 Não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andasse insone, e eu andava, roxas olheiras, teria que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava relaxando (...) 
 
            A gente quer ser o melhor, quer ser a melhor parte de nós, mas não dá para ser só o melhor, a gente não é só uma parte, tem as inseguranças, o dente quebrado que surge no sorriso, não dá para esconder, a gente sorri. Bagagem que todo mundo carrega cheia da vida, de morte, a espera do próximo trem para embarcar, do passageiro que irá sentar ao lado e comentar que a mala é bonita - mas já está fora de moda – não importa, continua bonita.

            Tudo ficara muito confuso, ideias misturadas, tremores, água de chuva e lama e conhaque no meu corpo sujo gasto exausto batendo feito louco naquela porta que não abria, era tudo um engano, eu continuava batendo e continuava chovendo sem parar, mas eu não ia mais indo por dentro da chuva, pelo meio da cidade, eu só estava parado naquela porta fazia muito tempo (...)

            Vou continuar parada naquela porta, a chuva interditou o caminho de volta, nem queria voltar mesmo, queria bater na porta, queria entrar, dizer que senti saudades, pedir desculpas pela lama, posso usar o banheiro? Claro, pegue essa toalha, tome um banho, o chuveiro está quentinho, vou fazer um café enquanto isso. Continuo batendo na porta, se estiver dormindo vai demorar para atender, tem o sono pesado, pode estar dormindo, não quero incomodar, vou bater de leve.

sábado, 18 de outubro de 2014

SEMANA CURITIBA LÊ (Produção)

 


Percepção e Representação

 
            Busquei em todas as minhas referências, o que eu sabia, nas ciências e até nas lendas curitibanas. Ele não existia. Havia desconstruído o meu olhar, não nos identificávamos. Tinha olhos grandes, eram verdes, mas quase não se via, havia muita água.       
            Perguntei seu nome, disse que não importava, não queria semantizar nosso contato. Perguntei se queria conversar, achava inútil. Eu queria respostas, queria entende-lo e encontrar seu lugar no mundo, eu saberia qual era o lugar em que nunca estive.
            Ele não me disse nada, teria que pesquisar. O Google me deu algumas imagens semelhantes, sempre faltava alguma coisa, faltava a corcunda, faltavam os dedos nervosos e faltava a necessidade de vida. Os livros descreviam seres mitológicos que até lembravam, mas nunca teriam o encanto de tornar-se real em meu mundo.
            Desisti de saber como ele era e conclui o que ele se tornou no lugar em que vivia em mim.

  
Instruções para amar
 

            Encontre a pessoa certa, aquela que você acha que é certa e todo mundo vai achar que é errada, mas o que importa é a sua opinião.
            Tenha momentos felizes, leve a pessoa certa a todos os seus lugares favoritos, quando a pessoa certa terminar com você, seus lugares favoritos vão ser os lugares mais tristes sem a pessoa certa.
            Conte tudo para a pessoa certa, ouça tudo que ela tem a dizer. Quando estiver sem ela escreva todas as histórias que não deram certo, ouça a música que mais poderia ter dado certo como trilha sonora do seu romance que deu errado e morra de amor, só para perceber que a pessoa certa sempre foi errada.


 Lista de seres 

Incríveis (concordam comigo)
Insuportáveis (não concordam comigo)
Outras (nunca falei com elas)
Eu (insuportável).

 

Exercícios elaborados na Minioficina de Criação Literária, ministrada por Monica Berger, na Semana Curitiba Lê. 

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

MISE-EN-SCÈNE


            O mundo me incomoda, mas não é o mundo, eu me incomodo, mas não sou eu. Estou cheia, não sei se é felicidade ou sofrimento. São dois sintomas invisíveis, indizíveis, analiso e me decomponho. Olho antes de me reconhecer, percebo uma semantização, tudo implica um denominar, que implica em um definir, que não me revela na própria essência. Não sou palavra, sou o que me olha, o que me afeta, entre o mundo vivido e o mundo imaginado, sou realidade. O mise-en-discours transforma o dito, discursa e cria minhas ações no mundo. Exponho-me independente da finalidade, amplio os significados, quando não digo, não faço, quando faço digo certo ou errado. Passa, estou em fluxo, apreendo o mundo pelo sentir, pela cidade, no ônibus ou em alguma fila de consumo, estou na presença de tantos, a atenção é distraída, a consciência está no prazer vinculante do que não me pertence, o desejo é a falta. Como me falta aquele dia todos os dias, como me falta morrer de felicidade, ter certeza que não é sofrimento pela falta do sentir do sentir, sentir em ato, perceber e ser presença. O mundo não é o que me revela pela janela da casa, pela janela do meu vazio, não há realidade, é um deixar-se levar, causa e efeito, fórmulas do sensível socializar e de socializar o sensível, estetização da vida. O mundo é vinculante, presentificação, a maneira que nos tornamos presentes em nós, nos tornamos próximos, um mundo bonito, distração de quem sente, sensação de vida, performática, dinâmica, relacional e estética.

domingo, 17 de agosto de 2014

Copos e Corpos

 
            Não! Não era assim que havia pensado sua vida, talvez nunca tivesse pensado a sua vida e isso deixava confuso, será que teria chego onde pensou? Nunca saberia, não tinha planejado, deixava a vida levar, deixava os sentimentos levar para aquele momento. Bagunça! Como chegou a quebrar todos os copos? Agora a cozinha estava perigosa, cacos por toda a cerâmica e não podia se acalmar, não podia servir água com açúcar. Como dizia a música, todo copo vazio é cheio de ar, acho que é mais ou menos isso ou exatamente isso, algo assim com ritmo de poesia. Tanto fazia, não tinha mais copos, perdeu o ar. Sufocou!

            Planejou o suicídio, havia planejado todas as vezes que havia acabado. Se acabava! Os amigos não tinham contato, achavam que tinha morrido mesmo, procuravam o seu nome nas notícias sangrentas, tinha sangue na toalha de banho. Desastre com a lâmina de barbear. Não gostava de fazer a barba. Sempre cortava o rosto quando chegava no bigode, pena que não tinha nenhuma veia por ali, pelo menos não sabia se tinha, sempre péssimo em se localizar.
 
            Onde estava a autoestima? No mar, no mar sentia alguma alegria, mesmo imaginando-se com pedras nos bolsos caminhando para o fundo, as ondas empurravam para a areia e podia tomar uma água de coco, pensando que a vida seria boa, se soubesse nadar. Nada! Dizia o pai ao lado para o filho que aprendia a respirar na água, nada, menino. Nada! Dizia para si mesmo, nada, foi o que restou, menos que um copo vazio. Sufocou!