"A NOSSA LINGUAGEM CRIA O MUNDO."

sexta-feira, 31 de maio de 2013

A HISTÓRIA DE ALGUM VELHO SERIADO


            Chego em casa sonhando em lavar as mãos, que estão pesadas com o pó da rua. Segurar-se naqueles “canos” do ônibus é lambuzar um pouco as mãos com a sujeira da sociedade, todo mundo passa por ali, medíocres, corajosos, culpados, condenados, sonhadores, amados e amadores. Bato com a cara na porta do banheiro. É o meu pai que sempre tem que sair para eu entrar e entra quando eu saio. Eu não sei se sou eu que gosto muito de ficar no banheiro ou se é ele. Talvez tenhamos a mesma mania.
            Passo pela porta do quarto do meu irmão, ele está deitado jogando videogame, o mesmo jogo de sempre. Eu acho que ele gosta de ganhar e decidiu jogar sempre a mesma coisa para não correr muitos riscos. Talvez ele apenas esteja jogando para passar o tempo, sem ter nenhuma mensagem subliminar nisso, é só um jogo bobo.
            Minha mãe assiste a um capítulo da novela das seis, quando passo pela sala ela comenta sobre alguma coisa que não entendo, mas percebo que ela fala da protagonista, finjo que conheço o conflito e respondo “aham”.
            Chego ao meu quarto, ele parece distante da casa, mas a casa parece estar dentro dele. Assisto ao quinto episódio da nova série que decidi ver depois da última, que bem... foi há alguns anos. Às vezes revisito os seriados da minha adolescência, é difícil gostar das séries de adultos, acho que não encontrei maturidade, ou talvez seja mais maduro não tornar-se adulto, talvez, quem sabe... ninguém.
            Da sala vem o barulho da TV e a minha mãe batendo alguma coisa no prato, imagino que esteja batendo clara de ovo, eu não gosto de omeletes, então, ela improvisará algum pedaço de carne para mim. Se eu fosse vegetariana seria mais fácil, muita coisa poderia ser mais fácil se eu fosse de um jeito que não sou.   
            Tudo isso tira a minha atenção, o volume do laptop não fica muito alto, a série tem conversas complexas entre os personagens, é preciso curtir a pira de cada diálogo, pelo menos essa é a intenção.
            Tenho que pausar, voltar para o mundo da minha casa, para poder fechar a porta do quarto e negar a existência da minha realidade, para suspender-me em cenas de uma ficção, que naquele momento parecem fazer mais sentido do que de fato acontece ao meu redor. 
            O barulho do garfo batendo no prato suspende-se, desisto de levantar-me para fechar a porta. Aceitei os ruídos dos atores globais. Como um desafio para a minha atenção, tenho que ignorar todas as vozes que me assombram, inclusive aquelas na minha mente, para que possa entender os personagens que ganham a responsabilidade de deslocar-me das minhas complexidades.
            Dou play e o episódio recomeça, minha mãe grita da cozinha: “Não vai jantar?”
            Pause.   

quinta-feira, 30 de maio de 2013

TANTA GENTE NO MUNDO E A GENTE AQUI SÓ... (SÓ PENSANDO EM UM ALGUÉM NO MUNDO)

(...)

Que isso fique comigo, ninguém sabe o que, não imaginam, mas com isso eu faço guerra e paz. Isso é amor, é um ô-ô-ô-ô, um zum-zum-zuuum, que me deixa em silêncio para ouvir o barulho e inquieta quando quero silenciar.
 
Tudo fica comigo e no supermercado penso que ficaria entre nós, escolher as frutas para a semana, a marca do leite em promoção com aquela vaquinha simpática na embalagem, o pote de sorvete de flocos, refrigerante para mim e chá para você, só para mantermos a individualidade.
 
Aqui comigo eu insinuo o prazer entre nós, a simplicidade de dar boa noite e ganhar bom dia. Trocaria a realização de um sonho antigo, por um(a) boa noite todos os dias. Trocaria aquela viagem à Europa para ir ao interior do Estado. 
 
Aqui comigo estou ficando velha e sonhando com o antigo idealismo romântico, uma casa, um jardim e algumas fotografias para alegrar as nossas paredes com recordações de dias felizes. Está difícil encontrar a vida tranquila, quietinhos, falando baixinho, sem mimimi, embaixo da coberta que tem o seu perfume em você.  
 
Entre nós você sempre me convence a brincar de esconde-esconde. Preferia sentar na calçada e contar pedrinhas, comendo jujubas. Você não gosta das vermelhas, mas eu comeria e deixaria todas as outras cores para você. Eu te mimo contando até ter certeza que você teve tempo suficiente para se esconder. Vou te procurar nos mesmos lugares que um dia te encontrei, sei que adora repetir algumas coisas.
 
Aqui comigo eu fico com o que restou de mim, a outra parte ficou guardada com as nossas travessuras, pecados de ingênuos adultos, improvisados, previsíveis, lembranças entre um cochilo e outro, com sonhos carinhosos sobre nós aqui, escritos com a doçura de quem lembra... e gosta!

terça-feira, 28 de maio de 2013

A MENINA SEM QUALIDADES - PRIMEIROS CONTATOS


 
Sou uma grande admiradora de produções cinematográficas brasileiras, ao contrario de uma grande parcela da população que vê Cinema Nacional como um gênero, em que as únicas produções existentes são aquelas divulgadas pelo Vídeo Show ou no comercial da novela das nove.
 
Eu sou assim com a TV, não assisto tudo que produzem e digo que não gosto. Acho que eu estou mais certa do que o pessoal que não gosta de Cinema Brasileiro, cada um defendendo seu lado, não é?
 
Nos últimos tempos descobri que a MTV estava produzindo a série “A Menina Sem Qualidades”, confesso que me chamou a atenção porque parecia um teaser de filme para a tela grande (http://www.youtube.com/watch?v=ZeEqzEW7aYY). O cinema indo para a TV, será a salvação?
 
O fato é que fiquei instigada. Deu uma vontade de assistir TV. Decidi investigar, para descobrir se não estava caindo em uma armadilha. Descobri que se tratava de uma adaptação do romance alemão, Spieltrieb, da autora contemporânea Juli Zeh, que já ganhou uma versão cinematográfica na Alemanha, onde estreará em outubro deste ano e também uma versão teatral. E quem seria o responsável pela adaptação brasileira? Felipe Hirsch, cara do teatro e do cinema, já recusou trabalhos na TV por falta de liberdade criativa, aquele velho debate da indústria cultural. Tive contato com o seu trabalho no filme Insolação. Não entrou na lista “filmes para a minha vida”, mas foi possível ver que ali há potencial, existe arte, vida. Finalmente, é preciso conhecer os atores, Bianca Comparato, Rodrigo Pandolfo, que está no filme “Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Eu Tô Fazendo Com a Minha Vida”, de Matheus Souza (aguardamos ansiosamente a estreia) e Javier Drolas, o protagonista do lindo filme argentino Medianeras.
 
Enfim, estava convencida de que a série me impressionaria. Aguardei a estreia e ontem sentei no sofá da sala. Com a possibilidade de escolher o que ver na internet, é dificil praticar esse "ritual".
 
 
PRIMEIRO EPISÓDIO

Aos quatro anos Ana perde o pai, é criada por uma mãe jovem, que se divide em cuidar da filha e viver os últimos tempos de juventude. A relação com o padrasto é boa, mas quando a mãe separe-se ele deixa o vinculo estabelecido socialmente com Ana.  

A primeira cena é a típica apresentação de primeiro dia de aula, em que o professor solicita que os alunos digam quem são. A adolescente, de dezesseis anos, questiona o professor, nos contesta, para ela há uma verdade absoluta, pois não há dois pontos possíveis para as mesmas coisas. Em tempos em que tudo é relativo e por isso fácil de descartar, qualquer um pode criar uma nova verdade quando convém.  

Domar X Educar

Ana busca e encontra conhecimento na leitura, mas segundo o diretor da escola, ela não está domada, ou seja, a educação ainda precisa manipular o seu conhecimento.  
 

A primeira desilusão amorosa acontece e a menina que contava as histórias que conhecia nos livros, para a namorada, deve aprender a ler histórias sem precisar contá-las a ninguém. A solidão é assim, viver histórias não compartilhadas. 
Os livros compartilham histórias com Ana. Ela ouve do professor que compreendendo certos livros compreenderá tudo. A leitora que já conheceu tantos livros, será capaz de compreender a si mesma?

 TRILHA SONORA

É como se a câmera dançasse com a trilha.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Alguns chamam MIMIMI


Será que podemos conversar? Eu passo um café se você quiser entrar. Agora me dou conta que você nunca provou o meu café, nem o meu bolo de chocolate (nem sei se você gosta de bolo de chocolate, mas o meu é o melhor e você nem sabe), eu nunca te fiz uma sopa em um dia de inverno (eu colocaria todas as verduras que você gosta, mesmo que eu tivesse que separa-las no meu prato, porque eu não como esses matinhos verdes), nem passei a sua camisa, mesmo que você não passe roupas eu passaria a sua (eu passo bem roupas, mas essa eu passaria melhor ainda) – (eu conversaria quando você estivesse com vontade e ficaria em silêncio quando você cansasse de falar.)
 
Coisas do cotidiano que nunca vivemos juntos. Tão difícil pensar que coisas simples são privadas por complicação humana. Pelo menos ainda somos humanos, tortos, confusos, amados, apaixonados, bonitinhos, tão bonitinho quando você dorme (e eu fico acordada só para ouvir você roncar e eu acho tão agradável - nem ligo de estar sonolenta pela manhã e quando você diz que acordei cedo eu concordo, mas eu nem dormi, não queria perder nem um minuto da noite que dormi com você – e agora não entendo porque casais reclamam do ronco um do outro, é tão bom constatar que alguém dorme ao seu lado), tão sexy quando você tira a roupa e eu tão nervosa porque eu não quero estragar nada quando vale a pena, tão quentinho quando estou embaixo do seu edredom, tão acolhedor quando você me empresta a toalha de banho e tão distante quando você não me abraça, tão confuso quando eu vou embora, tão dolorido quando recebo a próxima SMS (e eu acabo).
 
E cada vez que essas palavras escorregam eu fico mais vulnerável, eu fico menor e maior de um jeito tão doído quanto é gostar de alguém tão doido quanto as palavras desajeitas de tão doídas, porque se não fosse tudo doido não seria tão doído e eu não seria doida.

sábado, 11 de maio de 2013

CARTA ABERTA

8 de Maio de 2013

QUERIDO PERSONAGEM FICTÍCIO,

 
            Aguenta aí, que tudo tem o seu tempo. Aguenta aí que já está passando. Eu repito isso para mim, mas não está fazendo efeito. De nada adianta um discurso sem ideologia e eu realmente não acredito no que ando falando, quando digo que vai ficar tudo bem. 
           Tem gente achando que estou pirada, tem gente que acha que estou desanimada e tem quem não note nada. Eu queria não notar você, dentro da minha cabeça. 
            Dentro dela tem você. Até o que já existia antes de você, combina com a sua camisa bege. Acho que essa cor é fácil de combinar, mas (diferente das cores coloridas que gritam significados semióticos) é difícil entender o que ela expressa.
            Pode ser que eu não queira entender o óbvio, mas acredito no que você fala e para mim isso é o certo, mesmo que você diga coisas que eu não entenda.  

 
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            As pausas me fazem pensar em você e os recomeços me levam a falar de você. Parece que o texto está ficando chato de tanto eu e você e nenhum nós. Talvez seja tanto nós inexistente que eu esqueça que tem eu e você.
            Desculpa por não seguir o roteiro e esquecer que éramos personagens, confundi realidade e ficção, confundi você em mim e a história ficou tão experimental que nem a gente entendeu a sinopse.
            Sempre odiei sinopses, elas não dizem nada, então, não faz mal.

 
P.S Eu só queria inventar um amor, então, inventei você.

Beijos, até as próximas palavras.

 

 

 

 

 

 

 

Na verdade eu só queria saber se você está bem, como estão os seus dias.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

2016


Tinha 14 anos, treinava há 8 e não sabia dizer quantas horas isso dava, mas eram muitas por dia. Chegava as 8 da manhã e saia as 7 da noite. Durante um período da tarde deixava as paralelas descansarem e ia para a sala ao lado, toda criança precisa dedicar algumas horas aos estudos, até mesmo aquelas que representam o país de um jeito diferente das outras.
Típico dia de inverno, quando chegou ao ginásio, ainda sonolenta, ficou desanimada ao pensar que teria que tirar seu casaco fofo e quentinho, para colocar a roupa de treino. A única coisa que continuou lhe aquecendo foram as polainas listradas. Demorou tanto para trocar-se que as colegas não a esperaram. Chegou um pouco atrasada para o aquecimento e recebeu uma advertência. Era a segunda naquela semana e ela não aguentava mais levar bronca em russo do técnico que a ajudava na nova série. 
Na hora do almoço foi para o restaurante que ficava há algumas quadras do ginásio. Era bom sair e sentir o sol que amenizava o frio, ver pessoas que não vestiam agasalhos e pensar em outras coisas que a ajudava a esquecer a dor no punho. Quando estava servindo-se reparou no prato do senhor que estava a sua frente, ele fez uma grande montanha de comida, se ela pudesse comer tudo aquilo iria ficar muito feliz, mas pensou que se comesse daquele jeito iria sentir o peso na lentidão dos seus movimentos. Então, se limitou a uma pequena porção de comida saudável, afinal, a sua próxima competição não seria para ver quem come mais hambúrgueres. Na hora da sobremesa não aguentou e pediu um sorvete bem colorido para alegrar o seu dia, que ainda tinha muito tempo para terminar. Estava na hora de ir para a aula. Hoje teria todas as matérias, era quarta e todos os professores iriam estar lá. Ela não gostava de português, nem de matemática, história, geografia, ciências... De inglês ela gostava, porque achava útil para as competições internacionais. Reclamava sempre quando iria começar uma nova aula, mas no fundo ela gostava dos professores e sabia que podia reclamar, porque eles eram bondosos e pacientes, mesmo que às vezes devessem ser mais severos só para que ela não fizesse tanto corpo mole.
Durante a aula saiu para fazer fisioterapia, massagem, terapia e até deu entrevista para a maior emissora de TV local.
O treino recomeçou e ela chorou porque estava sentindo dores. Lembrou-se da primeira medalha que ganhou, de como ela ficou orgulhosa, como a lustrava todos os dias só para ver o brilho em seus olhos. Até que ganhou muitas outras e começou a engaveta-las. Mas tinha uma que ela sonhava com emoção e guardava um lugar especial para que pudesse olha-la todos os dias com o mesmo orgulho que sentiu ao ganhar a primeira. Era a Medalha Olímpica.
Lembrou-se disso e treinou com muita garra, ela era uma ginasta e tinha um objetivo.
2016: Estamos nas Olimpíadas no Rio de Janeiro, a nossa conhecida brasileira torna-se a nova Campeã Olímpica.