"A NOSSA LINGUAGEM CRIA O MUNDO."

domingo, 13 de julho de 2014

NÃO CONFIE EM QUEM NÃO GOSTA DE BATATA FRITA - PARTE 2


            Mais uma vez estamos aqui, a mesma mesa perto da janela. Eu gosto desse lugar, quando falta assunto ou ficamos constrangidos com o assunto, dá pra olhar pra fora e fingir apreciar o balanço das folhas daquela árvore. Ela lembra a minha infância. Tinha uma assim lá em casa. Meu pai cortou, porque caia muitas folhas na calçada. Ele odiava folhas na calçada. Eu até que gostava, criava um ar melancólico, a natureza sobre o cimento. Ele nunca me entendeu. Ninguém nunca se entende, nós aqui, sempre nessa mesa tentando compreender porque ainda persistimos. Talvez a gente venha aqui por causa do hambúrguer, esse double é a melhor coisa que fizeram e o garçom já me conhece e sabe que não como queijo e salada, fica mais fácil, sem olhares inconformados ao anotar meu pedido. 
            Vamos chamar o garçom? Estou com fome! Não comi direito durante o dia, confesso que estava tensa com esse encontro. Sempre estou tensa quando estamos juntos, sempre acontece alguma coisa que me dá razão por ter estado tensa o tempo todo.
            Garçom - Já vão pedir?                                                                                         
            Ele – Hambúrguer completo pra mim.
            Ela - Sem queijo e salada pra mim.
            Garçom - Com batata frita?
            Ela - Sim.
            Garçom – Pelo menos isso, todo mundo gosta de batata frita, até as estranhas que não comem queijo.
            Ela – Mussolini não gostava de batata frita. Talvez Hitler não gostasse de queijo. Você ia falar assim com eles?
            Garçom – Já trago o pedido.
            Sabia que tinha um motivo para ter estado tensa o dia todo. Trocaram o garçom. Como eu odeio mudanças. Elas acontecem sem que estejamos preparados.  Eu não estava preparada para deixar de gostar de você. Você era a minha música preferida, o coração conhecia o ritmo e eu só sabia dançar com você. Ok, nunca fui uma boa dançarina, nem você. Quando a gente encontra a música preferida ouvimos tantas vezes que chega aquele momento que enjoamos. Começamos a ouvir outras músicas e achar mais interessante. Até ouvimos a velha música preferida, mas é só para relembrar do tempo que ela nos fazia dançar. Qual música eu gostaria de ser pra você? Algum clássico que nunca sai de moda. Mas essas bandas todo mundo ouve e com o tempo se tornam tão previsíveis. Na verdade queria ser a música de uma banda que quase ninguém conhece e um dia você resolve ir ao show, porque não tem nenhum filme bom passando no cinema e quando você ouve aquela música tem certeza que passou a vida em busca daquele som e quando volta pra casa ela não sai da sua cabeça e você vai procurar a banda no Facebook e descobre que vocês têm muito em comum e baixa o cd inteiro no seu ipod e não para de ouvir, na ida ao trabalho, na volta para casa, no banho, antes de dormir, ao acordar e nunca, nunca vai enjoar, mesmo quando estiver ouvindo Beatles, vai sentir saudades de quando ouviu a música da banda desconhecida pela primeira vez. Você vai ser sempre a música da banda desconhecida pra mim, mesmo que agora eu queira ouvir Ramones.
            Garçom – Estão servidos.
            Ela – Tem queijo no meu hambúrguer.
            Garçom – Vou pedir pra trocar.
            Posso ver o que você está lendo? Não conheço. Não sou muito fã desse tipo de leitura. Ficção é o que me encanta. Meu professor sempre dizia, a mentira é sentida por quem a inventa. Literatura é assim, uma mentira que contamos pra expressar o que sentimos. A magia está em entender as entrelinhas, a verdade oculta na invenção do novo. Estou escrevendo um conto, você não vai ler mesmo, posso te confessar, é sobre nós, somos dois heróis de guerra, disputando o amor por uma enfermeira, após sermos atingidos por uma granada. Como nos tornamos rivais?
            Garçom – Sem queijo, certo?
            Ela – Obrigada.
            É difícil admitir que não gosto de queijo e sempre deixam o processo mais complicado. É difícil admitir que nunca mais teremos a primeira ligação cheia de expectativa, esperando o primeiro convite para um encontro. Nunca mais teremos o primeiro encontro cheio de ansiedade, torcendo para que tenhamos o segundo. É difícil deixar de amar por livre e espontânea vontade, só porque nunca haverá mais a primeira vez, você já se decepcionou com tudo e cansou de terceiras, quartas e infinitas vezes em que não deu certo. A primeira vez que estivemos aqui não consegui sentir o gosto do hambúrguer, estava tão nervosa, agora eu sinto o gosto da costela, sempre penso em pedir de alcatra, mas deixo para a próxima vez, eu sempre deixo um pretexto para voltar com você. Quem sabe da próxima vez eu peça o hambúrguer de alcatra.