Mais uma vez estamos aqui, a mesma
mesa perto da janela. Eu gosto desse lugar, quando falta assunto ou ficamos
constrangidos com o assunto, dá pra olhar pra fora e fingir apreciar o balanço
das folhas daquela árvore. Ela lembra a minha infância. Tinha uma assim lá em
casa. Meu pai cortou, porque caia muitas folhas na calçada. Ele odiava folhas
na calçada. Eu até que gostava, criava um ar melancólico, a natureza sobre o
cimento. Ele nunca me entendeu. Ninguém nunca se entende, nós aqui, sempre
nessa mesa tentando compreender porque ainda persistimos. Talvez a gente venha
aqui por causa do hambúrguer, esse double é a melhor coisa que fizeram e o
garçom já me conhece e sabe que não como queijo e salada, fica mais fácil, sem
olhares inconformados ao anotar meu pedido.
Vamos chamar o garçom? Estou com
fome! Não comi direito durante o dia, confesso que estava tensa com esse
encontro. Sempre estou tensa quando estamos juntos, sempre acontece alguma
coisa que me dá razão por ter estado tensa o tempo todo.
Garçom - Já vão pedir?
Ele – Hambúrguer completo pra mim.
Ela - Sem queijo e salada pra mim.
Garçom - Com batata frita?
Ela - Sim.
Garçom – Pelo menos isso, todo mundo
gosta de batata frita, até as estranhas que não comem queijo.
Ela – Mussolini não gostava de
batata frita. Talvez Hitler não gostasse de queijo. Você ia falar assim com
eles?
Garçom – Já trago o pedido.
Sabia que tinha um motivo para ter
estado tensa o dia todo. Trocaram o garçom. Como eu odeio mudanças. Elas
acontecem sem que estejamos preparados.
Eu não estava preparada para deixar de gostar de você. Você era a minha
música preferida, o coração conhecia o ritmo e eu só sabia dançar com você. Ok,
nunca fui uma boa dançarina, nem você. Quando a gente encontra a música
preferida ouvimos tantas vezes que chega aquele momento que enjoamos. Começamos
a ouvir outras músicas e achar mais interessante. Até ouvimos a velha música
preferida, mas é só para relembrar do tempo que ela nos fazia dançar. Qual
música eu gostaria de ser pra você? Algum clássico que nunca sai de moda. Mas
essas bandas todo mundo ouve e com o tempo se tornam tão previsíveis. Na
verdade queria ser a música de uma banda que quase ninguém conhece e um dia
você resolve ir ao show, porque não tem nenhum filme bom passando no cinema e
quando você ouve aquela música tem certeza que passou a vida em busca daquele
som e quando volta pra casa ela não sai da sua cabeça e você vai procurar a
banda no Facebook e descobre que vocês têm muito em comum e baixa o cd inteiro
no seu ipod e não para de ouvir, na ida ao trabalho, na volta para casa, no
banho, antes de dormir, ao acordar e nunca, nunca vai enjoar, mesmo quando
estiver ouvindo Beatles, vai sentir saudades de quando ouviu a música da banda
desconhecida pela primeira vez. Você vai ser sempre a música da banda
desconhecida pra mim, mesmo que agora eu queira ouvir Ramones.
Garçom – Estão servidos.
Ela – Tem queijo no meu hambúrguer.
Garçom – Vou pedir pra trocar.
Posso ver o que você está lendo? Não
conheço. Não sou muito fã desse tipo de leitura. Ficção é o que me encanta. Meu
professor sempre dizia, a mentira é sentida por quem a inventa. Literatura é
assim, uma mentira que contamos pra expressar o que sentimos. A magia está em
entender as entrelinhas, a verdade oculta na invenção do novo. Estou escrevendo
um conto, você não vai ler mesmo, posso te confessar, é sobre nós, somos dois
heróis de guerra, disputando o amor por uma enfermeira, após sermos atingidos
por uma granada. Como nos tornamos rivais?
Garçom – Sem queijo, certo?
Ela – Obrigada.
É difícil admitir que não gosto de
queijo e sempre deixam o processo mais complicado. É difícil admitir que nunca
mais teremos a primeira ligação cheia de expectativa, esperando o primeiro
convite para um encontro. Nunca mais teremos o primeiro encontro cheio de
ansiedade, torcendo para que tenhamos o segundo. É difícil deixar de amar por
livre e espontânea vontade, só porque nunca haverá mais a primeira vez, você já
se decepcionou com tudo e cansou de terceiras, quartas e infinitas vezes em que
não deu certo. A primeira vez que estivemos aqui não consegui sentir o gosto do
hambúrguer, estava tão nervosa, agora eu sinto o gosto da costela, sempre penso
em pedir de alcatra, mas deixo para a próxima vez, eu sempre deixo um pretexto
para voltar com você. Quem sabe da próxima vez eu peça o hambúrguer de
alcatra.