Quando terminamos, prefiro dizer no plural, como se tivéssemos decidido juntos, mas a verdade é que ele terminou
comigo e eu tive que aceitar terminar com ele, mesmo tendo sido um pouco
difícil, na verdade não foi um pouco difícil, foi muito, foi bem, foi
extremamente difícil e todos os advérbios que você queira incluir para
enfatizar todas as dores que senti, não aquela coisa metafórica das canções que
ouvimos quando estamos sentados no ônibus a caminho do trabalho, a dor foi
física mesmo, adquiri algumas doenças depois que parei de comer, de sair, de
conversar, de sorrir, de andar pelo parque de mãos dadas, de comprar presentes
fora de datas especiais, de ver passarinho verde e achar que a vida era boa,
mas ela nunca é boa, só que as vezes a gente se ilude.
Como você deve prever ele tinha
outra. Todo mundo sempre tem outro, me sentia deslocada por não ter ninguém no
banco de reserva, mas me sentia com um resto de dignidade por não manter
ninguém esperando, enquanto eu marcava alguns gols por aí. Tivemos algumas
recaídas enquanto ele já estava com a outra e eu ficava mal, mas continuava
recaindo só para ele trair aquela vaca loira, sim, ela era loira, era como se
ele se esforçasse para deixar nossa história o mais clichê possível, só porque
eu dizia que odiava os clichês e ele adorava me contrariar.
No inicio, que durou um ano e sete
meses eu rondava a sua casa e quando ele não estava lá eu rondava o seu
trabalho, ele não costumava ir a outros lugares o que facilitava a minha ronda.
Odiava quando ele estava em casa, quase sempre ela também estava, parecia a
noiva do Chucky e o meu medo era que eles se casassem, mas aí eu pensava no
tédio do casamento e que ele iria pedir a separação e olhar para o banco de reserva,
eu estava lá segurando uma bandeirinha para chamar a atenção.
Também pensei em mata-la, pensei
naquele crime perfeito dos Engenheiros do Hawaii em que não existem suspeitos.
Só não matei porque eles estavam sempre juntos e não queria que ele me visse
matando alguém, com certeza eu não iria estar bonita enfiando uma faca no peito
da vadia, como eu queria ver o peito dela sangrar mais do que o meu.
Teve um dia que tentei me matar, eu
queria morrer todos os dias desde que terminamos, ele terminou comigo, mas eu
queria ter decidido isso com ele, iria doer menos, enfim, nesse dia eu quis
morrer com mais vontade, me joguei na frente de um carro, uma morte
cinematográfica daquelas em que o dublê rola no capô e cai no asfalto com cara
de nada. Eu não morri, o carro freou antes e o motorista me xingou pra caralho,
pior é que tinha bastante gente na rua, que vergonha, nem morrer eu conseguia e
o pior, alguém gravou o quase acidente e mandou para um quadro do jornal local,
com o irônico nome “Na Hora Certa”. Eles fizeram um alerta para os cuidados que devemos tomar ao atravessar a rua na faixa de pedestre.
Acho que a pior das coisas que me
fez perder toda a dignidade foi compartilhar no Facebook cartas de amor sem
destinatário, mas que todo mundo sabia para quem era. Fazia isso todos os dias,
tinha aqueles que diziam que eu escrevia bem, esses deviam ter levado um pé na
bunda também, e tinha aqueles que diziam, “esqueça esse cara”, esses deviam
estar felizes, eu também achava besteira quando alguém estava chorando por alguém,
enquanto eu estava no quarto do meu namorado fazendo coisas que os namorados
fazem no quarto, assistir aos filmes da Nouvelle Vague.
Há alguns dias me sinto melhor, é
minha segunda consulta e acho que os remédios me acalmaram, estou menos
ansiosa, consigo ficar até dez minutos sem stalkear o perfil dele na internet.
Estou pensando em escrever um livro sobre isso, quem sabe ainda consigo tirar
alguma coisa boa dessa história. Na verdade, vim aqui porque meus amigos não
queriam mais me ouvir, me sugeriram um psicólogo e pelo menos com você eu
consigo conversar sem intervenções.
(...)