"A NOSSA LINGUAGEM CRIA O MUNDO."

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

RESSACA MORAL



            Queria que estivesse comigo para dividir a cerveja, enquanto esperávamos a porção de batata frita, sem bacon para você e sem queijo para mim. 
            Faz tempo que não te ligo. Faz tempo que não bebo. Eu te ligava porque bebia e bebia porque queria te ligar, bebia e ligava porque tinha saudades.
            Você disse que eu era muito doce e isso te enjoava, eu chupei vários limões, mesmo sentindo o sangue afinar e a língua ficar estranha.
            Logo você reclamou do gosto azedo da minha saliva. Eu joguei os limões e comprei uma jaca bem grande, na feira disseram que era uma fruta bem doce. Você riu quando cheguei segurando aquela coisa esquisita e disse que combinava comigo.
            Larguei a jaca e peguei uma cerveja na geladeira. Você sempre disse que meninas não deviam ficar embriagadas. Lembro quando me embriagou para tirar minha roupa.
            Agora eu consigo ver que a cor das paredes da sua casa não combinava com os meus olhos e era o seu lençol que irritava a minha pele. Eu nem gostava do seu cachorro e muito menos daquele toque do seu despertador que eu dizia alegrar o meu dia, devia estar louca.
             Seus amigos pareciam estar sempre apresentando uma tese de doutorado e eu tinha que me esforçar para não demonstrar cansaço com essa mania intelectual de ser culto o tempo todo.
            Você nunca assistiu o meu filme preferido, no último encontro eu usava a camiseta de (500) Dias com Ela e você perguntou se era uma nova marca de roupa estranha. Na hora eu expliquei e disse empolgada que você devia assistir, mas nos encontramos 42 vezes e você sempre escolheu os filmes, era sempre algum documentário e eu nunca gostei de documentários.
            O garçom trouxe a batata frita sem queijo (e sem bacon também), não posso culpa-lo, ele se acostumou, agora precisamos perder alguns costumes. Pedi outra marca de cerveja, nisso você tinha razão, a de sempre era melhor.
            Eu até poderia ficar bem nessa mesa, o problema é que todo mundo fica pensando que você tem um problema muito grande por estar bebendo sozinha. Você não tem amigos, é muito chata. Você tinha um encontro e o cara não apareceu, ele te odeia, nem para enviar um SMS desmarcando. Você é afim do garçom e vem todo dia sozinha para puxar papo com ele. Você levou um fora e está afogando as mágoas. Talvez seja uma alcoólatra.  É muito desconfortável e a cerveja já acabou.
             Pedi mais uma, agora a de sempre, o garçom comentou sobre uma promoção de baldinho com 6 garrafas, mandei trazer.

 
GLUB! GLUB! GLUB! BLUB! GLUG!

 
            Oi, tudo bem? Como vai o Ted? Tenho saudades de leva-lo para fazer xixi de manhã, não consegui baixar aquela sua música para despertar no meu celular, vi um novo documentário sobre eremitas modernos e lembrei de você, depois te mando o link. Podíamos sair qualquer dia, eu gostava tanto do papo dos seus amigos, aqui todo mundo só fala banalidades e isso me cansa. Você não pode conversar agora? Tudo bem, te ligo outra hora, beijos.

            Mais uma cerveja, por favor.

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