“Dona Sônia Pediu uma Arma para seu
Vizinho Alcides” não é uma manchete, mas poderia ser, não é a toa que vários
roteiros se inspiram em noticias que passam rapidamente ao olhar do leitor que
consome sangue nas páginas de jornais, considerando esses eventos distantes de
suas vidas, como vemos na cena em que o estranho da classe média entra na
cozinha de dona Sonia. Em uma sociedade prisioneira do medo, um jovem
assassinado durante a noite não é motivo para reflexão, é motivo para a
afirmação do “óbvio”: não é certo sair à noite, se estava fora de casa é porque
fazia coisa errada. Gabriel Martins usa o movimento da câmera para se
relacionar com o mundo, há um afastamento da câmera em relação à dona Sônia quando
a história é contada, e uma aproximação ao rosto cansado e sofrido da
personagem, momento este em que reconhecemos a história criada pelo cineasta.
Uma mãe com sede de vingança é a escolha
do cineasta para a sua representação do caos natural do mundo enquadrado na
cozinha da dona Sônia, bagunçada por louças quebradas pelo chão e plantas pelas
paredes, que certamente crescem com o desejo de vingança da protagonista. A
reação de dona Sônia quebra a rotina do sofrer calado. Daí em diante o que poderia ter sido uma nota
despercebida de qualquer noticiário policial, torna-se arte pelo olhar da
câmera de Gabriel Martins.
Já sabemos que as imagens em
movimento proporcionam ao cinema a oportunidade de contar as mesmas histórias
de maneiras diferentes. Karim Aïnouz produziu dois filmes partindo da mesma
notícia de jornal: o curta-metragem, Rifa-me e o longa mais conhecido, O Céu de
Suely. A história de uma mãe que procura superar a perda de um filho
assassinado, provavelmente, já foi contada muitas vezes, mas a dona Sônia
habita uma tela, cujos enquadramentos lhe dão peculiaridades tão intimas
fazendo com que apertemos o gatilho da arma junto com a mãe sem filho.
A personagem dialoga conosco por
meio de imagens, ela lava a louça suja, mas a água não consegue levar o sangue
da tragédia, ela vê vídeos caseiros do filho e nos coloca no tempo anterior ao
conflito responsável pelo desfecho. O discurso linguístico se torna
desnecessário até o momento de libertação de dona Sônia em que cumpre seu
destino escrito pela câmera. Livre do sentimento de vingança ela já não deve
satisfações a nós, agora ela vai acertar as contas com Deus, cantando uma
canção religiosa. Trata-se de um filme que não abafa os sussurros com gritos,
ele não espetaculariza e sim expressa a dor.
A mesa vazia com um vaso de flores já no
inicio do filme dando a ideia de um altar pronto para receber o morto é cenário
para que dona Sônia finalize seu plano de justiça, feito isso estamos prontos
para deixar a história, com as saudades de cada plano que se foi...
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