Por meio dos estudos culturais, em que as
análises iniciam-se desde o pós-colonial às opressões culturais, incluindo os
estudos sobre gênero, diferenças, feminismo, machismo, crítica das práticas
tradicionais da política, da antropologia, da literatura e da estética,
implicações de temas como o culturalismo, as metaficções e o pós-modernismo,
vamos discutir a representação da mulher pós-moderna na tela do cinema.
Em (500) Dias com Ela (2009), título em
português para (500) Days of Summer,
conhecemos os personagens Summer Finn e Tom Hansen, interpretados
respectivamente por Zooey Deschanel, atriz e vocalista da banda She & Him,
e Joseph Gordon-Levitt, ator e fundador da mídia colaborativa e produtora hitrecord.
Ela quebra os paradigmas e ele não sabe o que fazer com a mulher pós-moderna.
Mesmo sendo um jovem “independente” e “moderno” ele carrega os conceitos da
sociedade em que vive, pois somos produto da nossa história, uma história onde
o homem (enquanto gênero) é o ser dominante.
É
comum a predominância do homem como protagonista na narrativa cinematográfica. Mesmo
quando a mulher surge no papel principal, dominando as ações, a sua condição
permanece a de objeto, tendo um observador masculino que a contempla e a
conquista.
Essa ideia de objeto, ainda pode ser
tratada a partir do que Laura Mulvey, nos diz no artigo "Prazer visual e
cinema narrativo", onde o masculino projeta sua fantasia na figura
feminina e a mulher é exibida na tela emitindo um impacto erótico, ou seja,
está ali para ser olhada. Ela desempenha o papel de congelar a narrativa,
provocando o fascínio do espectador, por meio do prazer que ele sente em usar
outra pessoa como objeto de estimulo sexual através do olhar.
Ainda percebendo que a mulher funciona
como objeto na tela, sendo observada pelo personagem masculino, pela câmera que
a coloca como um corpo de apreciação e pela olhar do espectador, que guiado
pelos dois primeiros olhares, aprecia a figura feminina como se ela estive ali
para enfeitar a tela, podemos citar o que Cristiane Busato Smith, diz em seu
artigo, “O lugar do corpo feminino na comédia musical dos anos cinquenta”:
“É senso comum afirmar que a
indústria do cinema é um locus propício para o voyeurismo masculino. Assim,
filmes de gêneros diversos cumprem o importante papel de re-presentar os
desejos, os fetiches e as fantasias masculinas, uma vez que a mulher,
invariavelmente, figura como objeto.” (p.01)
Summer, a personagem feminina em análise
nesse trabalho, é apreciada pela olhar da câmera e do expectador, uma mulher
bonita que encanta, mas a tensão é criada pela visão de Tom que não consegue
mantê-la em seu olhar. Em muitos momentos ela sai do campo de sua visão, não respondendo
as suas expectativas, criando todo o conflito da obra. Assim, (500) Dias com
Ela torna-se um divisor de águas, uma comédia que não segue os padrões que
estamos acostumamos a ver na tela da sétima arte.
A mulher pós-moderna é sexualmente e
financeiramente livre, ela deseja ser feliz com ou sem um parceiro estável.
Essa mudança na postura feminina fez com que nas últimas quatro décadas os
estudos relacionados ao cinema e gênero sofressem uma expansão nas análises
sociológicas, estruturalistas, psicanalíticas e semiológicas. Ana Carolina
Escosteguy diz “[...] que a inserção do feminismo nos Estudos Culturais tem
relação com sua promessa de intervenção estratégica na política da vida
cotidiana.” (1998, p.01)
Logo, a motivação em analisar a relação
pós-moderna de Tom e Summer, surge da necessidade em estudar a nova abordagem
que se inicia no cinema ao tratar da relação entre gêneros (feminino e
masculino).
ESTUDOS
CULTURAIS
Ângela Prysthon (2003, p. 135) situa a
segunda metade dos anos 50 como impulsionador dos Estudos Culturais. O Centre Contemporany Cultural Studies
(Centro de Estudos Culturais Contemporâneos), surgiu na Universidade de
Birmingham, em 1964. Stuart Hall, o diretor do CCCS, solidificou os pressupostos
fundamentais dos Estudos Culturais, analisando a ação da mídia sobre as
manifestações da cultura de massa, ou ainda a análise das estruturas sociais e
contexto histórico para a compreensão dessas manifestações midiáticas.
Sobre os estudos culturais e a relação
com as mídias, Ana Carolina Escosteguy, pressupõe que os objetos de
investigação dos estudos estão cada vez mais diversificados:
“Contudo, no ponto de
encontro dessas duas frentes, meios de comunicação
e Estudos Culturais, identifica-se uma forte
inclinação em refletir sobre o
papel dos meios de comunicação
na constituição de identidades, sendo
esta última a principal questão desse campo de
estudos na atualidade.” (ESCOSTEGUY,
2001, p. 167).
Márcia Rejane Messa em seu levantamento
sobre os diferentes olhares sobre os estudos feministas destacou a pesquisa
acerca da televisão, chamando a atenção para a preocupação com a representação
da mulher na mídia e os estudos referentes à audiência feminina sobre a atuação
das protagonistas de telenovelas (2006, p. 20).
Desse modo, é importante entender,
historicamente, o papel da mulher, para que possamos compreender como chegamos
a representação de Summer Finn e a percepção de Tom Hansen referente à mulher
contemporânea.
A MULHER E
A HISTÓRIA
Josenia Antunes Vieira (2004) ajuda-nos a
discutir a construção social da identidade feminina, chamando a atenção para o
fato de que cada período influência de maneira particular o sujeito na sua
forma de pensar e agir.
Na época em que as mulheres usavam
espartilhos e homens carregavam espadas, a figura feminina era completamente
anulada diante dos direitos civis, sendo considerada incapaz de interagir no
campo sociopolítico. A única tarefa que devia ser executada por uma mulher era
a de se dedicar ao bom andamento do lar, por meio de uma percepção religiosa.
Esses
fatos foram representados na figura da mulher durante muito tempo na história e
ainda não é possível afirmar que tenham sido encerrados, mas talvez amenizados.
Até mesmo as mais reprimidas, como as mulçumanas, estão em constante luta por
uma nova condição na sociedade, ainda que por questões culturais em passos mais
lentos.
A
mulher reprimida e inferiorizada na sociedade é representada nas artes, em um
diálogo entre textos, ou seja, uma conversa entre épocas, onde muda a roupagem,
mas continuam os mesmos conceitos da sociedade patriarcal.
Segundo
Simone de Beauvoir, a mulher assimila o fato de ser objeto e, através da
“não-autenticidade” e da “má-fé”, colabora na fabricação dos estereótipos que
embasam a sua “inferioridade”. Os homens concedem a mulher como uma ameaça à
vida masculina de transcendência, liberdade e autonomia. Por outro lado, ela é
fadada a permanecer na imanência, ou seja, sua vida direciona-se a finalidades
especificas: ela se envolve em produzir e cuidar de coisas que são apenas
meios, tais como comida, roupa e abrigo. Essas coisas são objetos
intermediários entre a vida animal e a existência livre.
O
conceito referente à mulher designado por Beauvoir vêm se transformando e
podemos até mesmo ousar em dizer que vêm evoluindo durante épocas.
Nos anos 20, a mulher começa a trabalhar
fora de casa. O uso dos eletrodomésticos permite as mulheres mais tempo livre.
A “nova mulher”, passa a usar um novo tipo de vestuário: as saias sobem, as
cintas descem, livra-se dos espartilhos, corta o cabelo à “garçonete” e usa
brilhantina. Exagera na maquiagem e na bijuteria, passa a andar de bicicleta, a
dançar tango, a conduzir o automóvel, a fumar e a frequentar piscinas mistas.
Esta época faz despontar um novo tipo de mulher solteira - liberta,
independente e aventureira - que vai ascender socialmente. A Primeira Guerra
contribuiu para as novas oportunidades de emprego. Começam, então, a exigir
novas liberdades e recusam o modelo de educação das suas mães e avós.
Reivindicam igualdade de oportunidades na educação, de direitos no acesso às
profissões e salário nas fábricas.
Na década de 50, o mundo passava por
mudanças sociais e culturais gritantes. A Guerra Fria, travada entre os Estados
Unidos e a, então, União Soviética ficou marcada pelo início da corrida
espacial, uma verdadeira competição pela liderança na exploração do espaço. A
ficção científica e todos os temas espaciais passaram a ser associados à
modernidade e foram muito usados. Até os carros americanos ganharam um visual
inspirado em foguetes.
Eles eram grandes, baixos e compridos, além de luxuosos e
confortáveis. Os Estados Unidos estavam vivendo um momento de prosperidade e
confiança, já que haviam se transformado em fiadores econômicos e políticos do
mundo ocidental após a vitória dos aliados na guerra. Isso fez surgir, durante
esse período, uma juventude abastada e consumista, que vivia com o conforto que
a modernidade lhes oferecia.
A mulher nos anos dourados era vista como
símbolo de beleza, tudo era baseado na valorização da aparência, dos penteados,
dos vestidos, dos acessórios fazendo aflorar a sexualidade. Dois estilos de
beleza feminina marcaram os anos 50, o das ingênuas chiques, encarnado por
Grace Kelly e Audrey Hepburn, que se caracterizavam pela naturalidade e
jovialidade, e o estilo sensual e fatal, como o das atrizes Rita Hayworth e Ava
Gardner, como também o das pin-ups (“garotas penduradas”), com cinturas
marcadas e seios fartos. Entretanto, é possível dizer que os dois grandes
símbolos de beleza da década de 50 foram Marilyn Monroe e Brigitte Bardot, que
eram uma mistura dos dois estilos, a devastadora combinação de ingenuidade e
sensualidade.
A tradição e os valores conservadores
estavam de volta. As pessoas casavam cedo e tinham filhos. Nesse contexto, a
mulher dos anos 50, além de bela e bem cuidada, devia ser boa dona-de-casa,
esposa e mãe. Vários aparelhos eletrodomésticos foram criados para ajudá-la
nessa tarefa difícil, como o aspirador de pó e a máquina de lavar roupas.
Os gêneros até o período pós-moderno eram
bem delimitados e cada um sabia o seu lugar na sociedade, atualmente, os homens
passam por uma crise de identidade, já que as mulheres mudaram e muitos não
conseguem conviver com as mudanças e exigências femininas. Tom não entende as
exigências de Summer, ele quer a todo custo rotular o relacionamento, mesmo
tentando se convencer de que consegue viver em um relacionamento
descompromissado. Ou seja, enquanto a mulher quer uma relação independente o homem
não aceita que ela dispense a “segurança” masculina como critério de
felicidade.
Messa diz que a feminista do século XXI,
não exclui o homem da relação, não enxerga o homem como o culpado por todos os
seus males. Não é preciso considerar homens e mulheres iguais, as diferenças
devem ser aceitas e somadas (2006, p.20).
Butler
cita a afirmação de Beauvoir, que ninguém nasce mulher e sim torna-se mulher.
São as re-significações do termo “mulher” que enriquece os estudos a respeito
das representações femininas (BUTLER, 2003, p. 58-9). Como ressalta Keyla
Negrão:
A
mulher que se busca discutir é a que está em trânsito, que tem a capacidade de
ocupar esferas sociais diferentes, dotada não só de uma diferença sexual
biológica, mas de uma leitura do mundo específica. Busca-se construí-la e
entendê-la do seu território de mulher, com potencialidades de narrar suas
histórias de dor, de aspirações, de conquistas, de lideranças, de
trivialidades, de sexualidades, de enfermidades, de silêncios e vazios, de peleias,
enfim, dos manejos de seus afetos. E as narrativas fílmicas têm sido um lugar
privilegiado de tensionamentos dos seus vários sentidos [...]. (2003, p. 11-12)
É justamente essa nova mulher apresentada
pelo século XXI que iremos analisar por meio de (500) Dias com Ela.
(500)
DIAS COM ELA
(500) Dias com Ela (2009), dirigido por
Marc Webb, é uma comédia romântica, diferente dos clichês que vemos distribuídos
no mercado. O filme inicia com uma narrativa que demonstra como a personalidade
de cada protagonista se constituiu. Ilustra a descrença da felicidade cultivada
por Tom, influenciada pela triste música pop britânica e a má compreensão de um
filme, representando a ação da mídia sobre a sociedade e como a percepção de
algo pode formar o individuo. Isso surge novamente no fim da obra, quando Tom
tem um surto, afirmando que os cartões, os filmes e a música pop são culpados
pelas mentiras, pelos desgostos... Já Summer, desde a separação dos pais passa
a se preocupar apenas com o cabelo, como ele é bonito e a facilidade que pode
ser cortado sem que sinta nada, uma metáfora do que ela tornou-se, uma mulher
que tenta viver o lado bonito da vida sem envolver-se.
Então, em formato de vídeos caseiros, abrem-se
dois quadros, mostrando Tom e Summer quando crianças. Nesse momento, percebemos
que ambos eram igualmente alegres, sem as ideologias adquiridas com o tempo.
Tom acredita no amor à primeira vista e
quando vê Summer tem a certeza de que ela é a mulher certa, aquela presenteada
pelo destino. Porém, a garota nem ao menos acredita no amor, afirmando que se
trata de fantasia.
O relacionamento inicia por intermédio de
Summer que se mostra mais segura e decidida do que Tom, que até então vinha cultivando
um sentimento platônico em meio às neuroses testemunhadas pelos amigos.
Após a primeira noite juntos, o jovem sai
de casa pela manhã. A cena demonstra muito bem o aumento de autoestima do
personagem, desde a música e a movimentação de Tom, até o seu reflexo de
estereótipo de galã no vidro de um carro. A cena transforma-se em um musical,
que em seguida ganha um elemento de animação, fazendo referencia aos outros
gêneros do cinema.
Porém, a diegese logo passa por uma
transição, mostrando um Tom deprimido, nos dando o inicio da dicotomia que será
o filme, idas e vindas, alegrias e frustrações sentimentais que ocorrem em meio
aos 500 dias citados no título.
O jovem romântico é um arquiteto
frustrado que não consegue atuar na área, por isso contenta-se com o emprego de
escrever cartões. O olhar de arquiteto surge muitas vezes de maneira poética,
por exemplo, na cena em que olhamos os prédios de baixo para cima e percebemos
a beleza em praticar esse olhar. Depois vemos o lugar predileto de Tom, que é o
banco de uma praça com vista para vários prédios, chamando-nos a atenção para
que percebamos a beleza arquitetônica, a história, a luz, a criação. Criação
esta valorizada quando ele desenha os prédios no braço da amada, dando espaço
ao processo criativo.
O arquiteto consegue derrubar a parede na
qual Summer se esconde, a parede da distância, do espaço, do casual... “Tom
estava no mundo de Summer. Um lugar que poucos foram convidados a entrar. E lá
estava ela querendo ele e mais ninguém”, mas será que era suficiente?
Os relacionamentos sem rótulos ganham
espaço, levando-nos a refletir sobre qual é o verdadeiro propósito de um
relacionamento, será necessário construir um nome para o que simplesmente
vivemos? Namoro? O que isso significa? Apenas um conjunto de regras que
passamos a cumprir severamente, cobramos e somos cobrados. Uma grande rotina
que mais destrói do que faz bem.
A cena do casal no cinema e logo na
sequência o jovem sozinho no local, mostra como a vida é mutável, um dia
estamos com alguém, o que não significa que amanhã as coisas serão iguais. O
que mais chama a atenção é a identificação de Tom com o personagem da tela,
justamente o motivo pelo qual assistimos a filmes, lemos livros e analisamos a
sociedade, sempre procurando uma identificação com o outro, para que possamos
nos sentir menos sozinhos.
Em certo momento o protagonista nos faz o
seguinte questionamento: “Já fez isso? Pensa nos momentos que já teve com
alguém, repete-os na sua cabeça, várias vezes seguidas. Procura pelos primeiros
sinais de problema?” Ele diz que só pode haver duas opções. Ou ela é um ser
humano mau, sem sentimentos e miserável, ou é um robô. Mas esquece da terceira
opção, talvez ela não o ame o suficiente.
Tom acreditava que suas expectativas
iriam se alinhar com a realidade. A crença do personagem é representada quando
a tela é dividida em dois quadros, um onde a cena ocorre de acordo com suas
expectativas e o outro com o que está acontecendo na realidade. Ao ver que
Summer está noiva, suas expectativas são quebradas, ou seja, o quadro
desaparece.
Quando o jovem encontra-se no fundo do
poço ele é convidado a olhar a relação por outra percepção, relembrar os
momentos ruins. Já que uma mesma situação pode ser vista de diversas formas, ou
seja, tem uma mesma representação e distintas percepções.
A história de amor pode não ter um final feliz
para eles (juntos), mas ambos aprendem um com o outro. Summer descobre que o
amor existe, ela só não havia sentido. O jovem percebe que não existe destino e
sim coincidência, que como o narrador nos diz, “a maioria dos dias do ano é
comum. Eles começam e terminam sem nenhuma memória durável nesse tempo. A
maioria dos dias não tem impacto no decorrer da vida”.
E Tom não morre de amor, afinal, depois
do verão vem o outono.
500
DIAS COM A MULHER PÓS-MODERNA
O filme com roteiro de Scott Neustadter e
Michael H. Weber inicia sua trajetória dizendo em tradução livre:
Nota
do autor: A seguinte obra é uma ficção. Qualquer semelhança com pessoas vivas
ou mortas, é pura coincidência. Principalmente você Jenny Beckman. Vadia.
Também, logo no inicio, o filme deixa claro
que quebrará o paradigma das comédias românticas boy meets girl" - "menino
conhece menina" e avisa que o filme não contará uma história de amor. Além
da representação pós-moderna da mulher, é possível perceber uma descrença do
individuo contemporâneo, que quando fala de amor, prefere falar em (des)
ilusões. Já que o ato de relacionar-se com o outro tornou-se um paradoxo:
comunicação (por meio de tecnologias) e solidão (por meio de tecnologias).
No momento iremos focar na representação
pós-moderna da mulher, que puxa o tapete do protagonista, que se vê em
território inimigo, sem armas para lutar contra a amada, que trava uma luta
contra a relação estável.
Raymundo de Lima diz em seu artigo “A
mulher tradicional e a mulher pós-moderna” que tanto os homens tradicionais
quanto os modernos inconscientemente se assustam com a mulher contemporânea. É
o que ocorre com Tom, que é devorado pela independência de Summer. O personagem
formado em arquitetura não atua na área, acredita em um amor convencional e
logo deseja uma mulher para compartilhar o “Happy End”. Summer é uma jovem que
sai da sua cidade Natal para morar sozinha, está em busca de emoção e sempre
consegue o que deseja.
Summer arrisca-se, Tom não. Ele acredita
que jamais será feliz, até encontrar “a pessoa certa”. Ela não compartilha
dessa crença, ou seja, não responsabiliza o suposto parceiro pela sua
felicidade.
Summer quebra todas as regras da menina
que se encanta com o seu observador e rende-se ao padrão de relacionamento
estabelecido pela sociedade patriarcal, onde espera-se que a mulher esteja
“desesperada” por um pedido de namoro.
Quando uma mulher expõe sua falta de
vontade em rotular um relacionamento o homem sente-se perdido, pois isso
significa que a figura feminina rejeita a sua proteção, ela deixa de ser o “sexo
frágil” para ser dona do seu destino, deixando o homem em desconforto.
E.
Ann Kaplan diz que nos filmes hollywoodianos “é negada à mulher uma voz ativa em
um discurso e seu desejo está sujeito ao desejo masculino. Em silêncio, elas
vivem frustradas, resistem a essa condição, sacrificam as próprias vidas por
tal ousadia” (1995, p. 24).
Assim, espera-se ver nas telas sempre o final
feliz dos protagonistas, que superam as dificuldades para viverem o amor
incondicional. O homem deve salvar a “mocinha”, diferente de Summer, que não
precisa ser salva por ninguém, ela faz suas escolhas e não precisa de um homem
para isso. Quando Tom agride um sujeito em defesa da “namorada” e ela desaprova
a atitude, simboliza, justamente, a negação do conceito em que a princesa
espera o príncipe resolver tudo, enquanto ela fica na torre aguardando o beijo
final.
O
diálogo entre Summer e um colega de trabalho, que pode sintetizar tudo o que
falamos, será transcrito na sequência. É necessário que entendamos que Summer
(representando a mulher pós-moderna), simplesmente, aprendeu a ser feliz sem um
relacionamento, a mulher não precisa mais se apoiar em uma relação e submeter-se
a tudo para permanecer nela. A personagem é até mesmo comparada a um homem,
pois o pensamento machista acredita que apenas os homens podem viver sem sonhar
com a chegada do príncipe no cavalo branco.
“-
Você tem namorado?
-
Não.
-
Porque não?
-
Por que não quero.
-
Ah, eu não acredito.
-
Não acredita que uma mulher curta ser livre e independente?
-
Você é lésbica.
-
Não, eu não sou lésbica. Só não me sinto à vontade sendo namorada de alguém.
Não me sinto à vontade sendo qualquer coisa de alguém.
- Eu
não entendo o que está dizendo.
- É
mesmo?
-
Não.
-
Então, eu vou por partes.
-
Por parte.
- Eu gosto de ser sozinha. Relacionamentos são complicados e machucam.
Quem precisa disso? Somos jovens. Moramos em uma das mais belas cidades do
mundo. Vamos nos divertir enquanto podemos e guardar as coisas sérias para mais
tarde.
-
Minha nossa. Você é um cara.”
(...)
Nesse
momento Tom entra na conversa defendendo o ato de se apaixonar, sendo
comparado, por Summer, ao Jovem Werther. No fim do diálogo quando a personagem
diz “Acho que podemos concordar em discordar”
chama a atenção para o fato de que somos diferentes sim, vamos respeitar e
somar isso, ao invés de colocar as diferenças como obstáculos nas relações (de
gêneros).
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Em (500) Dias com Ela somos levados a
refletir sobre as relações sociais entre os gêneros. Como o homem e a mulher se
relacionam com as recentes mudanças históricas e como eles devem aprender
juntos a conviverem com as transformações sem ferir os sentimentos um do outro,
respeitando e se apaixonando com as novidades que cada um tem a oferecer.
Em 2002, Kaplan, observou em entrevista
concedida à jornalista Denise Lopes que “há uma hierarquia de discursos nos
filmes comerciais, o que faz (pelo menos até recentemente) com que o discurso
do homem seja mais valorizado do que o feminino”, porém considerou que “isto
está mudando agora, particularmente, por causa do progresso dentro da cultura
que os estudos da mulher estão realizando.” (LOPES)
(500) Dias com Ela, é um filme americano
que não foi produzido por Hollywood, mas que se destacou no Festival de
Sundance, justamente pelo fato de que o público está receptivo ao fato das
histórias pós-modernas não seguirem o padrão dos clássicos contos de fadas,
onde a princesa passa toda a narrativa esperando pela chegada do príncipe
encantado responsável pelo seu “feliz para sempre”.
BIBLIOGRAFIA
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Simone de. O segundo sexo: fatos e
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VIEIRA,
Josenia Antunes. “A identidade da mulher na modernidade”. In: MAGALHÃES, Isabel;
RAJAGOPALAN, Kanavillil (Orgs.). DELTA. São
Paulo , v. 21, Especial, 2004.
FILME:
(500) DIAS COM ELA - (500)
Days of Summer - de Marc Webb, EUA, 2009.
A mulher da Era pós moderna
ResponderExcluirIvone Boechat
A mulher da Era-pós moderna deve aparecer nos editoriais “completamente desnuda de vulgaridade e totalmente vestida de inteligência”. Sua elegância se fará notar pela suavidade dos adereços. Na boca, um precioso implante de palavras que desviem o furor. Cílios nada postiços, capazes de filtrar o excesso de pó que pulverizam na vida das pessoas e uma lente de contato para enxergar as qualidades do próximo. Nos cabelos, condicionadores que amaciem o afago das mãos que se apressem a moderar, acalmar, abrigar.
A mulher deve se preparar para ser modelo. Só pisar nas passarelas da vida, sob as luzes do flash da simpatia! Para manter a forma, uma dieta diferenciada. Evitar os frutos amargos que se colhem nos canteiros do ressentimento, nunca se afogar numa sopa de mágoa, regada a disse me disse, nem pensar em se viciar na overdose da desgraça alheia.
Toda noite, a mulher pós-moderna tem o cuidado de limpar do rosto as teias da decepção daquele dia e espalhar muita alegria em volta dos olhos, da boca, áreas mais afetadas pela desidratação que a tristeza provoca! A reposição hormonal do amor, da fé, da misericórdia e da compaixão é feita em alta dosagem, porque já se provou cientificamente que o único efeito colateral que provoca é a manifestação de bondade.
A mulher pós-moderna não pode se descuidar de suas mãos. Ela tem nos dedos a aliança de compromisso com a dor alheia. Na bolsa, uma cartela de pílulas da felicidade e também não podem faltar moedas para facilitar o troco: ofensa se troca pelo perdão. Afinal, ela só anda na última moda, moda e mudança são palavras irmãs. Roupa de marca é roupa que marca a sua presença nas rodas sociais, pela discrição e dignidade.
A mulher pós-moderna não é pesada no self-service cultural, como uma salada de frutas: melão, melancia, morango; ela é louvada e reconhecida no jardim da família pelo nome das flores que ajudou a plantar: mulher margarida, mulher rosa, mulher violeta, mulher hortência, mulher-amor-perfeito.
A mulher pós-moderna é embaixadora da paz. É vigilante pertinaz da preservação da vida! A plástica de sua beleza interior não perde a validade. Seu corpo espiritual se reabastece nos mananciais da fé.
“E todos os teus filhos serão ensinados do SENHOR; e a paz de teus filhos será muito grande.” Is 54:13
Ivone Boechat