"A NOSSA LINGUAGEM CRIA O MUNDO."

terça-feira, 27 de setembro de 2011

NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA


 “Duas velhinhas em um hotel fazenda em Catskill. Uma diz: “A comida aqui é um horror.” A outra diz: “Eu sei, porções minúsculas”. É assim que eu vejo a vida: cheia de solidão, miséria, sofrimento e tristeza... e acaba rápido demais.”
“Não quero ser sócio de nenhum clube que aceita alguém como eu de sócio. É a minha piada-chave em se tratando de mulheres.”
É desse modo que inicia o filme “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”. Um monólogo do personagem interpretado por Woody Allen, que desde o inicio já demonstra ao espectador uma crise existencial, uma reflexão sobre a vida que só os mais introspectivos conseguem atingir.
Nesse momento, Allen conversa com a câmera, ou seja, conosco. Essa é uma característica presente em sua obra. Seus filmes iniciam com uma narração em off, um monólogo do protagonista ou uma conversa com o público.
Alvy, o noivo neurótico, demonstra estar passando pela crise da meia idade. Para ilustrar isso cita os tipos de homens na velhice: o careca viril (o que ele acredita estar caminhando para ser); o distinto grisalho; e o que vive babando e vaga pelas cafeterias com saco de mercado falando de socialismo (o qual nós acreditamos que ele está caminhando para ser).
Porém, diante de todos os conflitos psicológicos existentes no personagem, ele ironiza dizendo que não é rabugento, nem depressivo e que até foi uma criança feliz, surgindo um flashback que nos prova o contrário. É preciso que saibamos o que Freud nos diz sobre a construção da personalidade do individuo, a infância como responsável. Logo percebemos que a criança que Alvy foi reflete na vida adulta.
Alvy sempre achou os colegas idiotas, uma característica que Allen sempre dá a seus personagens inquietos, intelectualizados e questionadores, como no filme “Tudo Pode dar Certo”. Voltando a Alvy, a mãe lhe diz: Você sempre pensou o pior das pessoas. Nunca se deu bem com ninguém na escola. Sempre esteve fora de sintonia com o mundo. Mesmo quando ficou famoso, ainda desconfiava do mundo.
O fato de ter crescido em meio a Segunda Guerra Mundial também contribui para as neuroses do personagem. Existe uma significativa paranóia com a perseguição aos judeus, assiste a um documentário nazista de duas horas, além da obsessão pela morte. Essa neurose de que os judeus continuam sendo perseguidos é muito vista em sua obra, como no filme “Igual a Tudo na Vida”, em que o personagem interpretado, também por Woody Allen, “ouve” pessoas falando mal de judeus e tem várias armas em casa para sua segurança.
Voltando ao filme em análise, no relacionamento com Annie Hall ele tenta intelectualizá-la, fazê-la refletir sobre a vida, ou ainda, sobre a morte. Em uma livraria ela está escolhendo livros de gatos, então, Alvy chega com uma pilha de livros e diz que vai comprar para ela. Questionado pela namorada, que acha estranho os livros serem apenas sobre morte, ele responde: “É um assunto que gosto. Tenho uma visão pessimista da vida. Se vamos sair juntos você precisa saber. A vida é dividida em horrível e miserável. Duas categorias. Horrível seriam casos terminais, gente cega, inválidos. Não sei como eles vivem. Acho incrível. E miserável é todo o resto. Quando passa pela vida, agradeça por ser miserável.” Uma visão pessimista comum entre as pessoas que vivenciaram uma guerra.
Esse seu olhar sombrio está lado a lado com sua profissão de comediante de stand up, pois sabemos que a comédia ironiza a tragédia, tornando-a patética ao ponto das pessoas rirem da desgraça alheia.
Sua má vontade em conviver com as pessoas é explicita, por exemplo: quando convidado para ir a uma festa com a namorada, ele prefere ir para casa e assistir um documentário. Ou quando na fila do cinema se irrita com o sujeito que faz comentários, julgando serem completamente idiotas, mostrando sua intolerância com o outro.
O homem da fila também representa a critica ao pseudo-intelectual que Allen critica em sua obra. Podemos também citar como exemplo “Meia Noite em Paris”, em que a figura do pseudo é representada de maneira insuportável.
O personagem de Allen mostra ser sempre a “pessoa do contra”. Desde pequeno gostava da mulher errada. Todos amavam a Branca de Neve e ele adorava a rainha malvada. Mais uma vez ressaltando os impactos da infância na vida adulta.
A contrariedade do personagem não para por aí. Quando todos apreciam a Beverly Hills ele aponta pontos negativos. Quando falam mal de Nova York apontando o lixo da cidade, ele diz que gosta de lixo.
As neuroses de Alvy nunca acabam, quando precisa ir atrás de seu amor em Los Angeles ele diz ter enjôo crônico da cidade. Ele, enfim, vai até Annie, mas ela já está com outro, com quem conhece novas pessoas, vai às festas, joga tennis, curte mais as pessoas, ressaltando que Alvy é incapaz de curtir algo. Diz que Nova York é uma cidade morta. Ele é como a cidade, uma ilha em si mesma. A resposta dele é que não curte nada se todos não curtirem, se alguém passa fome estraga sua noite. Uma resposta de quem pensa demais, questiona demais, e vive de menos.
Depois desse dialogo com Annie Hall, ele pega seu carro e reproduz a cena de quando criança no parque no carrinho de bate-bate, desta vez adulto com um carro de verdade, mas a mesma atitude. Aliás, muitos dos seus personagens não dirigem muito bem, como em Scoop, em que seu personagem acaba morrendo em um acidente de carro.
É importante chamar a atenção para as citações intertextuais, como por exemplo, o diálogo em que Alvy usa Henry James e sua obra “A Volta do Parafuso” no discurso. O recurso que citamos inicialmente de falar diretamente com o público nos lembra o estilo machadiano. E por fim, as legendas que expressam pensamentos, usadas para mostrar nossa capacidade em pensar e falar algo totalmente diferente.
Deste modo percebemos que a obra de Woody Allen é única, é impossível assistir a um de seus filmes e não identificá-lo como diretor. O inicio com a tela preta, os créditos brancos com a mesma tipografia e o som de Jazz, já entrega de imediato a sua assinatura. Allen conseguiu criar um estilo próprio com temáticas próprias que produz um belíssimo cinema de autor.

FICHA TÉCNICA


Annie Hall - 1977, 93 min.

Diretor: Woody Allen.

Com: Woody Allen, Diane Keaton, Christopher Walken e Truman Capote.

Um comentário:

  1. Tentei assistir esses tempos atrás, mas não obtive muito sucesso. Preciso tentar vê-lo de novo com mais calma para acompanhar o ritmo frenético de Allen, sempre me perco nos diálogos, acredita? rs

    Abs.

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