As adaptações de obras literárias para o cinema surgiram com o intuito de atrair a platéia burguesa para a sétima arte. Desse modo ampliou-se a indústria que acolheu um público com poder aquisitivo maior, que poderia pagar mais pelas sessões e freqüentar o cinema com maior intensidade. Podemos dizer que funcionou. Mas, também, provocou certo questionamento no espectador, que facilmente julga a obra literária melhor do que a cinematográfica.
Esse julgamento é fácil de ser compreendido, o roteirista Jorge Furtado nos diz que o leitor pode criar suas próprias imagens, sem custos ou limites com a realidade. Já o roteirista tem limitações, deve pensar nas cores, nos objetos, na disposição de espaço, luz, etc. Outro elemento que existe na literatura é o uso de verbos, como pensar, lembrar, esquecer, que o roteirista não pode usar. Em outras palavras, o cinema tem limitações concretas que a literatura não tem por trabalhar com a imaginação.
Ao vermos uma adaptação literária nas telas devemos lembrar que o cinema tem a própria linguagem que, porém, abrange várias artes, fotografia, teatro, música, dança, pintura e literatura. É uma linguagem que consegue criar representações e percepções de mundos, usando elementos de outras artes para construir novos olhares dos espectadores.
Na atualidade, apesar dos conflitos criados pelas diferentes linguagens, podemos dizer que a relação entre a literatura e o cinema tornou-se amigável. Pois, havia muitos conflitos antes da invenção dos direitos autorais. Em 1910 as histórias dos livros eram simplesmente tomadas para o cinema. Mas, foi na Itália, em 1911, que Gabriele d'Annunzio, vendeu toda sua obra para uma empresa cinematográfica e deu origem ao mercado literário no cinema. Segundo Ely Azeredo, o ranking de adaptações literárias é liderado pelas incontáveis filmagens da Bíblia, seguido por mais de 200 versões de Sherlock Holmes e, finalmente, no terceiro lugar estão as adaptações de Drácula de Bram Stoker.
Mas não é só com suas adaptações que a sexta arte contribui para o cinema. A literatura surgiu aproximadamente 4 ou 5 mil anos antes que o cinema e colaborou para a existência dos procedimentos narrativos na sétima arte. Por exemplo, o livro "Mimesis", de Erich Auerbach, contribuiu para a representação da realidade; Homero cedeu ao cinema o flashbak; a subjetividade do discurso e o poder dramático da prosódia são heranças de Petrônio; Boccaccio nos dá a ideia de fábula como entretenimento; Shakespeare e Cervantes nos ensina o poder da corporalidade do personagem e da tragédia; Goethe nos mostra que podemos sentir prazer com o sofrimento alheio; o realismo, a narração off e o autor como personagem vem de Stendhal e Balzac; a imagem dramática e o roteiro considerado literatura tem como responsável Flaubert...
Eisenstein, em “A Forma do Filme” (1929), diz que nossas origens não são apenas as de Edison e seus companheiros inventores, mas se baseiam num enorme passado cultural; cada parte deste passado, em seu momento da história mundial, impulsionou a grande arte da cinematografia. Que este passado seja uma reprovação às pessoas inconscientes que trataram com arrogância a literatura, que contribuiu tanto para esta arte aparentemente sem precedentes e é, em primeiro lugar, e no mais importante: a arte de observar - não apenas ver, mas observar.
Além de tratar da importância da literatura no cinema, Eisenstein, chama a atenção para o ato de observar, o olhar critico e a arte de pensar, que existe tanto na literatura quanto no cinema. E como disse Stravisky: "arte requer comunhão", ou seja, é necessário o diálogo entre textos, nesse caso, entre a literatura e o cinema, a escrita e a imagem.
Thomas Edison, um dos pioneiros da sétima arte, disse que sua invenção faria com que as crianças não precisassem mais ler nenhum livro. Isso não aconteceu. Temos a necessidade de percorrer pelas duas artes, pelas distintas linguagens, de imaginar as cenas em nossa mente quando lemos um livro e depois vermos se o filme pensou como nós, o que muitas vezes nos leva a decepção ou a novas visões. A decepção ocorre por acharmos nossos pensamentos melhores do que o exposto na tela, que na realidade são percepções distintas, nem melhor, nem pior, apenas linguagens que criam mundos diferentes.
Ganhamos com a intertextualidade existente no cinema e a indústria ganha mais ainda. O cinema tende a adaptar Best-sellers, obras de grandes autores consagrados, como Oscar Wilde, Shakespeare e Jane Austen, atingindo o público intelectualizado, e também novos escritores que atingem o grande público jovem, como Stephenie Meyer, Nicholas Sparks, J. K. Rowling e Meg Cabot. Não sabemos quem lucra mais com as adaptações, o mercado editorial, que passa a vender o livro por causa do filme, com capas atrativas, despertando a curiosidade do espectador, ou o mercado cinematográfico que atrai o já leitor que tem a oportunidade de ver seus personagens preferidos representados no cinema.
O filme “An Education” (2009) foi roteirizado por Nick Hornby (romancista) após ter lido o ensaio autobiográfico de Lynn Barber. Segundo o roteirista, o filme não tinha nenhum ator com apelo comercial, o que já o fazia ter uma visão pessimista diante do próprio roteiro. O fato de tratar-se de uma história biográfica, desperta o maior interesse do público que gosta de assistir histórias reais, a arte imitando a vida. Mas dificulta a vida do roteirista que precisa esquecer-se da pessoa real e passar a vê-la como uma personagem.
O filme “An Education” (2009) foi roteirizado por Nick Hornby (romancista) após ter lido o ensaio autobiográfico de Lynn Barber. Segundo o roteirista, o filme não tinha nenhum ator com apelo comercial, o que já o fazia ter uma visão pessimista diante do próprio roteiro. O fato de tratar-se de uma história biográfica, desperta o maior interesse do público que gosta de assistir histórias reais, a arte imitando a vida. Mas dificulta a vida do roteirista que precisa esquecer-se da pessoa real e passar a vê-la como uma personagem.
Mesmo diante das dificuldades apontadas por Hornb, no Festival de Cinema de Sundance, em 2009, o filme fez sucesso, ganhou o Prêmio do Público e Fotografia, e rendeu um contrato com a Sony Picture Classics. A obra acabou tendo três indicações ao Oscar, provando que conquistou a indústria. E revelou a atriz Carey Mulligan, que na sequência viria estrelar a também sucedida adaptação literária “Never Let Me Go” (2010).
O mercado ainda queria ter lucros maiores com “An Education”, mas como? Lançando um livro com o roteiro do filme. Outro recurso que tem se tornado mais comum na indústria para ganhar dinheiro com a arte. Se o público depois de assistir o filme corre para as livrarias para comprar a obra literária que deu origem à adaptação no cinema, é claro que o roteiro do filme despertará a curiosidade do leitor.
Assim, somos introduzidos em uma bola de neve, onde o mercado lucra de todas as maneiras com o nosso interesse em imaginar e observar. Esses são dois campos pelos quais passeamos de uma maneira tão natural e inata, que nem nos damos conta como o capitalismo usa da nossa necessidade de viver entre o real e o imaginário para acumular lucros.
Não vejam isso como algo negativo. Pois, a indústria na tentativa de lucrar contribui para a sociedade em termos de que passamos a caminhar entre as duas artes. A literatura que faz com que exercitemos nossa imaginação e o cinema que faz com que observemos as imagens. Não podemos desconhecer o livro que deu origem ao filme e nem o filme que foi sustentado pela obra literária. É como se uma arte complementasse a outra, tornando-se uma situação difícil de ser ignorada.
É impossível pensar em cinema sem relacioná-lo a indústria, que pode contribuir para a produção com arte sem necessariamente fazer arte. Mas, também, nos proporciona uma fonte inesgotável de sensações, prazeres e opções de reflexões, observações, leituras e releituras, inventando e transformando nosso poder de introspecção, assim como a literatura que desempenha a mesma função em cada leitor. Ou seja, faz todo sentido literatura e cinema unirem-se por uma mesma causa, a arte e suas representações e percepções.
REFERÊNCIAS
AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura universal. Ed. Perspectiva, 1992.
AZEREDO, Ely. A tentação da literatura na tela. Texto para o Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 2002.
EISENSTEIN, Sergei. A forma do filme. Jorge Zahar, 2002.
FURTADO, Jorge. A Adaptação Literária para Cinema e Televisão. Casa das Musas. Disponível em: http://www.casadasmusas.org.br/filosofia_Adaptacao_literaria_cinema_televisao.htm. Acesso em: 29 de abril de 2011.
HORNBY, Nick. Educação: O Roteiro. Ed. Rocco, Rio de Janeiro, 2010.
amo seus artigos,continue a escrever.
ResponderExcluirseus artigos são ótimos! parabéns!
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