"A NOSSA LINGUAGEM CRIA O MUNDO."

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

VIVER NA CIDADE


Final da tarde, ele não tinha feito nada o dia todo, para  sentir-se mais útil assistiu três episódios de um seriado que todos estavam comentando. Estava tão entediado e não sabia o que fazer, saiu no quintal, entrou na garagem e viu a sua bicicleta em um canto sem uso há meses. Decidiu pegar o carro e ir até a panificadora comprar pão, porque estava com preguiça de cozinhar naquela noite.
No outro dia pela manhã pensou na bicicleta e decidiu ir trabalhar com ela. Conversou com conhecidos que encontrou pelos pontos de ônibus que passou, todos os dias via aqueles velhos colegas alí, mas de dentro do carro não podia ao menos cumprimentá-los, no máximo uma buzinadinha, que fazia ele se sentir arrogante do tipo “olha, estou dentro do meu luxuoso carro, enquanto vocês esperam o ônibus que com sorte irão conseguir embarcar espremidos”.  Pegou caminhos diferentes de todos os dias, sentiu a brisa em seu rosto, passou a manhã pedalando, na hora do almoço parou em um bar, chamou alguns amigos e passaram o dia conversando.
Final da tarde, seu carro havia estragado e não sabia como voltar para casa, entrou em desespero. Ligou para alguns amigos, mas eles não podiam buscá-la, um deles disse para pegar um ônibus. Ela não usava o transporte coletivo há anos e imaginava que isso seria algo insuportável. Depois do momentâneo pânico procurou um ponto de ônibus, pediu informações e embarcou na linha que passava perto da sua casa. Na metade do caminho conseguiu sentar, usou os fones que costumava usar no trabalho, olhou para a paisagem que a janela mostrava e quando desceu percebeu que o caminho tinha sido muito mais agradável, não se preocupou com o trânsito, ela se deixou levar e caminhou pela sua rua, percebeu que há muito tempo não caminhava por alí, não observava as casas e não cumprimentava os vizinhos.

(...)

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

LEMBRAR É (RE)VIVER

 
Quando falamos de tempo, rapidamente, fazemos uma relação ao mundo exterior, às conquistas que nos direcionaram por caminhos que chamamos de passado, presente e futuro (Quem fomos, quem somos e quem seremos). Achamos que cada caminho é consequência de algum passo certo ou errado que em determinado “tempo” escolhemos dar.
Tempo é mais do que fatos externos, mais do que uma escolha, mais que uma consequência e uma linearidade envelhecedora. Nem sempre o que é passado no mundo externo, aquilo que deixou de existir aos olhos do coletivo, torna-se passado no mundo interno, pois ainda é memória, logo ainda existe.
Vivemos em um tempo de ordem social e um tempo subjetivo. Vivemos na angústia de caminhar por dois tempos que não dialogam em harmonia e são responsáveis por todas as inquietações, questionamentos e angústias que bagunçam a mente e a ordem externa das coisas e seres, ocasionando momentos confusos em que passamos da introspecção as responsabilidades do dia a dia sem que tenhamos “tempo suficiente” para harmonizar realidade e fantasia (que cria e perturba).
Emoção e razão habitam tempos diferentes: a razão sempre será presente e a emoção será presente misturado com passado e futuro, tempos que existem apenas no fluxo da consciência e por isso são incompreendidos pelos indivíduos ao nosso redor, pois estamos perdidos no tempo das lembranças.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

RUBY SPARKS


Um escritor em crise. Uma namorada perfeita. Uma história para contar.
Analisando a sinopse do filme “Ruby Sparks”, podemos sintetizar o filme nessas três frases, mas nem só de sinopses vive o cinema.
Calvin, um escritor prodígio, não consegue produzir um novo romance até que sonha com uma garota e passa a escrever sobre ela. Até aí normal. Quem nunca se deparou idealizando alguma cena e logo transformando tudo em palavras, desejando que em um passe de mágica tudo fosse mais que teoria? Calvin acorda um dia e se depara com a sua criação infiltrada no seu mundo real.          
O primeiro sentimento? Desespero. O segundo? Adaptação. O personagem, vivido por Paul Dano, tem que aprender a conviver com a garota dos seus sonhos (e textos).
Ruby Sparks tem vida própria e consequentemente suas próprias vontades. Quando Calvin percebe que a namorada não atende as suas expectativas, pois deixou de ser uma idealização para transformar-se em realidade, volta a escrever a história de Ruby, manipulando a sua personalidade, um mal que aflige muitos casais: querer que o outro realize seus sonhos, ao invés de se apaixonar pelo o que a pessoa tem a oferecer.
É bem coerente que um cara egocêntrico cultive a solidão, logo podemos classificar Calvin nessa coerência. Além dessas características ele também nos mostra um lado melancólico e desajeitado em relação à vida, o que nos leva a simpatizar com o personagem. Ele não é o homem perfeito, Ruby não é o que ele espera e assim eles têm que aprender a conviver com isso, gerando o conflito da diegese. Se eles vão conseguir manter a relação diante dos obstáculos da realidade só saberemos no final da história, cujo roteiro é de Zoe Kazan (Ruby Sparks).
E o que podemos falar de uma história que passeia entre a expectativa e a realidade? Não tem explicação, “É amor, é mágica”.
 
FICHA TÉCNICA
 
 
EUA , 2012 - 104 minutos
Comédia / Drama
Direção:
Jonathan Dayton, Valerie Faris
Roteiro:
Zoe Kazan
Elenco:
Paul Dano, Zoe Kazan, Chris Messina, Elliott Gould, Annette Bening, Antonio Banderas, Aasif Mandvi, Steve Coogan, Toni Trucks, Deborah Ann Woll, Alia Shawkat

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

RE-BLUE

1.INTERIOR - DIA - QUARTO

ALIEN, 24 anos, está sentada em frente ao computador, digitando algo. A imagem torna-se a tela do computador e lemos uma conversa online.


FERDINANDA
Como assim?
 
 
ALIEN
Assim, assim.
 
 
FERDINANDA
Não acredito.
 
 
ALIEN
Agora eu to mentindo?
 
 
FERDINANDA
Isso é patológico.
 
 
ALIEN
Eu sei, mas se é uma doença eu não
posso fazer nada, hihihi.
 
 
FERDINANDA
Tem que procurar uma cura.
 
 
ALIEN
E se for igual a AIDS e não tiver cura?
 
 
FERDINANDA
Até quem tem AIDS consegue levar
uma vida de boa, você vai conseguir.
 
 
ALIEN
Não sei, to cansada. Vamos sair?

2. EXTERIOR - DIA - PRAÇA
 
Alien e FERDINANDA, 23 anos, estão sentadas em um banco. Alien está com uma sombrinha aberta.

 
FERDINANDA
Você só me faz passar vergonha.
 
ALIEN
Agora se proteger de um câncer de
pele é passar vergonha?
 
FERDINANDA
Você está sempre querendo se
proteger e, no entanto, é a que mais se fode.
 
 
ALIEN
Não entendi a piada.
 
 
FERDINANDA
Não atravessa a rua sem o sinal
estar verde para os pedestres, não
dirige porque o carro pode capotar
e explodir, não pratica esportes
porque pode se machucar, não anda
de bicicleta porque tem medo de
perder o equilibrio.
 
 
ALIEN
E?
 
FERDINANDA
E faz a pior das loucuras, se apaixona.
 
 
ALIEN
Como se você nunca se apaixonasse.
 
 
FERDINANDA
Se apaixonar para mim é como saltar
de paraquedas, você sente a
adrenalina por alguns instantes,
mas logo está com os pés no chão.
Para você se apaixonar é como
levantar todos os dias e tomar
café, não tem fim, dura a vida toda.
 
Alien levanta-se e caminha, Ferdinanda corre atrás.
 
FERDINANDA
Espere, quero carona na sua sombrinha.
 
As duas caminham juntas.

3. INTERIOR - DIA - QUARTO

Ferdinanda entra no quarto. Alien está sentada em frente ao computador chorando compulsivamente. Ferdinanda senta-se na cama e mexe no celular.
 
FERDINANDA
O que aconteceu?

 
ALIEN
Deu tudo errado.

 
FERDINANDA
Novidade seria se desse certo. O
que deu errado dessa vez?
 
 
ALIEN
Tudo. Conversamos, saimos e puff, bateu a bad.
 
 
FERDINANDA
Mas o que aconteceu além de
conversarem e sairem?
 
 
ALIEN
A gente ficou.
 
 
FERDINANDA
Eu sei, mas o que aconteceu para
você ficar na bad?
 
 
ALIEN
Ele não vai me ligar amanhã.

 
FERDINANDA
Ele disse isso?
 
 
ALIEN
Eu já o conheço bastante para saber
que não vai ligar.
 
 
FERDINANDA
Se ele não ligar o azar é dele. Vai
sofrer agora por causa do que os
outros deixam de fazer?
 
 
ALIEN
Você está certa. Se ele não ligar,
eu ligo, é tão simples. Obrigada, pela ajuda, Ferdi.

FERDINANDA
(Close)
Eu não disse isso.
 
4. EXTERIOR - DIA - PRAÇA
 
Ferdinanda e Alien estão sentadas no mesmo banco do dia anterior.

ALIEN
É isso que dá seguir seus
conselhos, nunca mais te escuto.
 
 
FERDINANDA
Eu não disse para você ligar para
ele. Eu simplesmente disse para
você deixar pra lá, se ele ligasse
tudo bem, se não ligasse você seguia a sua vida.
 
 
ALIEN
Você não disse isso.
 
 
FERDINANDA
Disse sim.
 
 
ALIEN
Você não usou essas palavras.

 
FLASHBACK da fala de Ferdinanda.
 

ALIEN
Foi ambiguo, deu margem para diversas interpretações.

 
FERDINANDA
A interpretação foi sua, agora
encare os fatos. Você ligou e ele
te tratou mal. Agora tem duas
alternativas: esquecer isso e
seguir em frente ou se afundar no
sofrimento do Jovem Werther.

 
Alien levanta-se e começa a gritar.

 
ALIEN
(Ironica)
Seguir em frente, seguir em frente,
que frase linda, sinto uma mágia no
ar. Eu caminho para frente e
pronto, meus problemas desaparecem.
Seguir em frente vai me impedir de
pensar, é como se meu cérebro
corresse entre rosas e jasmins em
um show de raios e luzes psicodélicas.
 
 
Começa a tocar uma música dos Beatles (Tomorrow Never Knows). Alien olha para Ferdinanda que está com o celular ligado em uma caixa de som.

ALIEN
Desligue esse celular, parece um
mano, já disse para usar fones de ouvido.
 
 
FERDINANDA
Não tenho nada contra os manos,
você é muito preconceituosa.
Deveria falar que era falta de
educação, que eu deveria respeitar
as outras pessoas, que ninguem é
obrigado a ouvir o que eu quero,
mas me chamou de mano como se isso
fosse algo terrivel. Isso é muito
feio, dona Alien, só você é
perfeita, o mundo é só você e o seu
sofrimento. Cansei, vou embora.

 
Ferdinanda sai, Alien senta-se no banco, liga a caixa de som e volta a ouvir Tomorrow Never Knows.

5. INTERIOR - DIA - QUARTO

Alien está sentada em frente ao computador, olhando para a tela, sem fazer nada. Ferdinanda entra no quarto, senta-se na cama e mexe no celular.

ALIEN
To baixando um filme, vamos
assistir? Comprei sorvete.

FERDINANDA
Coisa de gente deprimida, assistir
filme comendo sorvete, além de
deprimida vai ficar gorda.

ALIEN
Eu não disse que estou deprimida.

FERDINANDA
Você sempre está.

ALIEN
Tá, indiferente disso, você adora sorvete.

FERDINANDA
Para mim o sorvete tem outro
significado, lembro de pessoas
felizes no parque em um dia de
verão. Para você sorvete é só para
dramatizar a sua cena de sofredora.

ALIEN
Se você não quer tudo bem, eu assisto sozinha.

FERDINANDA
Lá vem o drama, eu não disse que
não ia assistir, só estava
conversando, debatendo sobre as
nossas personalidades.

6. INTERIOR - DIA - SALA

Alien e Ferdinanda estão sentadas no sofá, cada uma com um pote de sorvete chorando compulsivamente.

FERDINANDA
Porque você sempre tem que colocar
esses filmes tristes?

ALIEN
Não sei, na descrição dizia que era comédia.

FERDINANDA
É muito revoltante.

ALIEN
Sinto um vazio em meu peito.

FERDINANDA
Vou ficar introspectiva por uma semana.

ALIEN
Quero cortar meus pulsos.

FERDINANDA
Odeio essa indústria cinematográfica que produz filmes
com pessoas se amando e tendo finais felizes.
 
7. EXTERIOR - DIA - PRAÇA

Alien e Ferdinanda sentadas no banco da praça.

ALIEN
Descobri qual é o meu problema.

FERDINANDA
Só um deles?

ALIEN
O mais grave.

FERDINANDA
Fazer sempre a mesma coisa, ficar
trancada naquele seu quarto e para
"sair da rotina" ficar sentada
nessa praça sem nada para fazer.
Pelo menos no seu quarto tem
computador, aqui nem wi-fi tem.

ALIEN
Também to cansada dessa praça. Mas
não é desse problema que estou
falando. Estou falando de querer
que as pessoas sejam felizes.

FERDINANDA
Eu não vejo você fazendo nada para
a felicidade do mundo.

ALIEN
Eu tento entrar na vida das pessoas
para deixar mais interessante, mais
alegre, mais encantadora, dar um
sentido as vidas tão mornas em preto e branco.

FERDINANDA
De repente elas gostam do preto e
branco, não é todo mundo que gosta
do rosa, nem é todo mundo que gosta
do azul. Já parou para pensar que
elas podem gostar da vida sem
graça? É sempre mais segura.

ALIEN
Acho que entendi. Eu não posso
querer impor a minha presença. Sou
o vermelho e elas escolheram o azul.

FERDINANDA
Vermelho é paixão. Azul é morte.

Alien e Ferdinanda levantam-se e caminham.

ALIEN
Cansei de todas essas reflexões.
Vamos lá em casa assistir algum
filme do Godard? Comprei chocolate.

FERDINANDA
Me deu vontade de ver "Pierrot le Fou"


quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A METAMORFOSE SENTIMENTAL DE UMA BORBOLETA


Ela era uma lagarta conformada, tinha uma vida divertida e como todas as suas amigas sonhava com o dia em que iria se tornar uma borboleta, com belas asas coloridas, absorvendo o néctar das flores.
O dia chegou e ela ficou fechadinha no casulo, só esperando para que a sua vida ganhasse um tom mais alegre com suas asas batendo para lá e para cá.
Quando saiu do casulo não era a borboleta mais bonita, tinha uma beleza exótica, que ninguém compreendia, suas amigas faziam mais sucesso e logo estavam sendo flertadas.
A borboleta ficou triste e decidiu esperar pelo seu fim, que com sorte aconteceria em duas semanas. Passaram-se as duas semanas e ela estava viva e forte. Algumas das suas amigas haviam falecido e os namorados choravam por suas amadas. Ela continuava sozinha, sem ninguém para chorar quando deixasse o paradoxo, chamado mundo.
Então, encontrou um pássaro atencioso, eles conversaram durante horas e no fim da noite ela só queria encontrá-lo no outro dia para continuar a conversa. Todos os dias eles se encontravam e a cada dia ela descobria o quanto ele era indispensável para o fim do seu tédio.
Ela já tinha um mês de vida e com sorte viveria mais dois, que seriam vividos ao lado do pássaro. Ele não apareceu naquela tarde e ela achou estranho, preocupou-se, e se algum menino malvado o tivesse acertado com uma pedra enorme? Passou o dia em pânico e ansiosa para que o amanhã chegasse, ele aparecesse e explicasse que havia tido qualquer imprevisto bobo.
Ele não apareceu no dia seguinte e nem nos próximos.
Aquela criatura tão miúda, tão frágil, ficou adoecida, permaneceu enrolada durante dias, não sugava mais o néctar e não via graça em voar. Aliás, pensou em voar e colidir em algum tronco.
Enfim, decidiu estender as asas e se distrair em meio à natureza. Saiu sem direção e reencontrou o pássaro. Ela tinha no máximo mais um mês de vida e já começou a fantasiar coisas que poderiam fazer durante esse tempo. Eles se encontraram durante uma semana e novamente o pássaro voou para longe.
A triste borboleta não se enrolou nas próprias asas. Dessa vez ela já não estava iludida e sabia que o pássaro voava mais rápido do que ela, que nunca poderiam seguir o mesmo ritmo e que seu modo de vida não se adaptava ao dela (tudo porque ele não a amava).
A borboleta permaneceu triste até o seu fim, viveu exatamente três meses, nos últimos tempos calada e introspectiva em seu próprio mundo devastado por um amor limitado a cicatrizes.

domingo, 21 de outubro de 2012

E COMO DIZEM POR AÍ: ... É A VIDA!


Mais uma vez ela acordou, tomou o seu café matinal e não teve vontade de fazer mais nada, quis voltar para o seu quarto e chorar até as lágrimas secarem. O seu desejo foi atendido e lá estava ela em seu quarto, sozinha, agoniada, angustiada, mas sem conseguir derramar nem uma lágrima. Da última vez ela havia chorado tanto que devia ter esgotado a sua reserva de água salgada.
Passou o dia ali e ninguém sentiu sua falta, se dormisse para sempre ninguém a procuraria. E o que ela poderia fazer para chamar a atenção? Ela não queria muito, não precisava que o mundo a visse, mas uma única pessoa, aquele que mesmo sendo todo errado, tornou-se certo no momento em que todos os seus pensamentos voltaram-se para ele.
Sentir não é nada bom. Você apenas sente e não controla. Você não pode obrigar ninguém a sentir o mesmo, não pode responsabilizar ninguém pelo seu sofrimento, nem a você mesmo. Ninguém sente porque quer e sim porque se envolve e quando viu já está perdido em um mundo em que gostar não é bom, porque é dorido, é cansativo e é solitário.
Ela não quis procurar ninguém para desabafar. Todos já estavam cansados de sempre ouvirem a mesma história, de sempre a verem se afogando em um mar de emoções e darem conselhos que de nada adiantavam. Ela também estava cansada de conselhos que não amenizavam em nada o seu sofrimento.
Amanhã ela teria que trabalhar, encarar aquela rotina banal, dar aquele sorriso vazio e depois voltar para casa, esperar a hora de dormir para finalmente descansar da realidade, tão vazia, tão incompreendida e tão incoerente.
Ela só queria dormir e sonhar com ele a abraçando como naquele dia. Aquele dia que poderia ter impulsionado outros dias felizes, mas só trouxe posteriores desilusões e um grande “sad end”.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

DESEJO E PERIGO

 
FICÇÃO: UM RETRATO HISTÓRICO
 
Ainda nos dias atuais a China sofre com os impactos sofridos pela invasão do Japão em 1937, eles guardam grandes mágoas e ressentimentos, até mesmo reclamam do pedido de desculpas que o Japão não manifestou.
A segunda maior economia do mundo, a China, é comandada pelo Partido Comunista da China, ou seja, um partido único totalitário, que dita as regras no maior país da Ásia Oriental.
O pensador russo Mikhail Bakhtin mostra-nos o texto como um diálogo sociocultural conduzido pelo texto. Nenhum texto surge do nada, ele é embasado por situações sociais da época em que foi escrita e, também, pela época em que está sendo lida.
Sabemos que muitos diretores escolhem produzir um filme de época para falar do próprio presente, até mesmo para fugir da censura. Ang Lee, um diretor chinês, que ficou em evidencia com as produções americanas, como “Hulk” e "O Segredo de Brokeback Mountain", volta ao seu país de origem para tratar de questões que construíram a história da China e que evidentemente refletem na vida contemporânea dos chineses que vivem suas vidas sem realmente pensarem em como chegaram à situação atual do país.
Para levantar essas questões Lee relata que sua intenção era produzir um filme para que as novas gerações que não viveram sofrimentos políticos passados pudessem entender um pouco da história de suas origens. Logo, entendendo o passado podemos compreender o presente.
A obra que ilustra tudo isso é “Desejo e Perigo”, uma adaptação da obra literária “Se, jie”, de Eileen Chang, uma escritora muito popular na comunidade sino-americana. A autora do livro, que levou mais de 30 anos para finalizar a obra, tem muito em comum com a obra, já que viveu na China ocupada pelos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial, foi casada com um colaborador do governo japonês, sofreu com a infidelidade do marido e interrompeu seus estudos na Universidade de Hong Kong para voltar a Xangai, temas vistos em seu livro. Afinal, para produzirmos arte é necessário buscarmos inspiração para na vida, sendo na que vivemos ou na qual observamos.
Diante desses embates “Desejo e Perigo” narra a história de Xangai ocupada pelos japoneses, por meio de estudantes universitários, que iniciam a obra como artistas e acabam como revolucionários, coisas não muito distantes, já que a arte é usada como meio de protesto, manifestação do descontentamento tanto da alma quanto do contexto sociocultural. Não é por acaso que as efervescências artísticas ocorrem em períodos difíceis, como os tempos de guerra.
Os chineses foram bombardeados cruelmente pelos japoneses, sofriam de todas as maneiras, faltavam-lhes produtos, saques nos bancos eram controlados, entre mortos e feridos.
É nesse contexto que o filme de Lee trabalha na luta de jovens estudantes que se inicia em 1939, dois anos depois da ocupação e percorre até 1942. Demos atenção a jovem Wong, que de garota tímida, deixada pelo pai que vai para a Inglaterra e órfã de sua mãe transforma-se em um exemplo de femme fatale, típica do cinema noir, que segundo o crítico francês Nino Frank (1946) trata-se de filmes densos, escuros, surgido em meados dos anos 1940, época da grande depressão nos Estados Unidos. Fazem parte do estilo filmes policiais que se passam em um mundo cínico e antipático, outros derivados dos romances de suspense da época, ficção policial e detetive. A femme fatale é uma mulher poderosa que vive nessa atmosfera e surge para destruir o homem.
Wong tem a missão de destruir um colaborador do governo japonês, um homem frio, cuja profissão é matar. Ela aceita a missão depois de atuar em uma peça e ter seu momento epifanico quando toda a platéia interage com sua personagem em um coro que diz “A China não sucumbirá”. Tomada por essa euforia de poder transformar a situação horrenda em que vivem, contribuindo de algum modo para vingar-se de um inimigo, ela aceita entrar para um grupo de revolucionários amadores, que de inicio têm o plano frustrado, mas que após três anos juntam-se novamente, agora com auxilio de um grupo da resistência. A garota que diz estar vivendo três anos de vazio interior aceita fazer uma nova tentativa e infiltra-se novamente à família do Sr. Yee, o colaboracionista em foco.
Tornando-se amiga da esposa de seu inimigo ela passa os dias jogando majong, cenas que expressam a tensão de Wong e também do período em que vivem.
  
O RETRATO FEMININO NA HISTÓRIA
 
Tratemos da figura feminina nesse contexto, representada por Wong, que mesmo sendo obrigada a transformar-se em uma mulher forte e racional passa por momentos em que a guerra deixa de ser da China contra o Japão e passa a ser a guerra dos sexos, o homem contra a mulher.
A mulher reprimida e inferiorizada na sociedade é representada nas artes, em um diálogo entre textos, ou seja, uma conversa entre épocas, onde se muda a roupagem, mas continuam os mesmos conceitos da sociedade patriarcal.
Por meio dos estudos culturais, onde as analises vão desde o pós-coloniais às opressões culturais, incluindo os estudos sobre gênero, diferenças, feminismo, machismo, homossexualidade, teorias marxistas sociais, crítica das práticas tradicionais da política, da antropologia, da literatura e da estética, implicações de temas como o utilitarismo, o estruturalismo, o culturalismo, as culturas populares, as metaficções, o pós-modernismo, vamos discutir a representação da mulher na tela do cinema. É sabido a que imagem estética feminina sempre criou um mundo cruel para a mulher, onde ela se submete a sacrifícios para agradar uma sociedade masculina.
Para se aproximar de Yee, Wong muda a sua aparência natural, tornando-se mais atraente no ponto de vista social, representando a exigência que a mulher é imposta de criar uma imagem padronizada de beleza, pois assim será possível atrair o homem que também se rende a mulher produzida em série, como embalagens de produtos em prateleiras de supermercados.  
A garota que até então era virgem deve tornar-se experiente sexualmente para saciar os desejos sexuais do inimigo. Nesse contexto podemos observar que o amor pela causa torna-se maior do que o amor próprio, desrespeitando o próprio corpo pelo desejo de vingança.
São nas cenas de sexo que Wong surge de uma maneira omissa ao desejo masculino. As cenas representam não apenas a violência sexual imposta pelo sujeito que impõe sua presença, mas também metaforicamente os outros contextos em que a mulher é exposta a inferioridade perante o homem.
Mesmo quando Wong está sendo violentada ela permanece sem voz. O silêncio da personagem mostra-nos o silêncio que as mulheres foram forçadas a viver durante séculos na história. Para que a mulher fosse considerada uma boa esposa, seu maior papel na sociedade, era necessário que ela fosse omissa. A mulher que não seguisse esse padrão era forçada a se calar. A boa esposa era aquela que vivia silenciada pela opressão. Mesmo estando viva e sentindo vontade de gritar era obrigada a permanecer no silêncio. Lee representa isso na tela na figura da amante que mesmo planejando a morte do individuo aparece em muitos momentos calada por ele.
No Ocidente a mulher sofreu muito com a imposição masculina e ainda sofre, mas no Oriente as conquistas femininas foram menores e a representação de Wong não se limita apenas a uma ilustração do passado, mas sim um reflexo do mundo patriarcal em que ainda é possível observar.
Podemos citar o que Cristiane Busato Smith, diz em seu artigo, “O lugar do corpo feminino na comédia musical dos anos cinqüenta:  
 
“É senso comum afirmar que a indústria do cinema é um locus propício para o voyeurismo masculino. Assim, filmes de gêneros diversos cumprem o importante papel de re-presentar os desejos, os fetiches e as fantasias masculinas, uma vez que a mulher, invariavelmente, figura como objeto.” (p.01)  
 
A figura feminina na obra cinematográfica em debate desempenha, justamente, o papel de objeto, ela está ali apenas representando os desejos, os fetiches e as fantasias de um homem frio e autoritário.
Essa ideia de objeto, ainda pode ser tratada a partir do que Laura Mulvey, nos diz no artigo "Prazer visual e cinema narrativo", onde o masculino projeta sua fantasia na figura feminina e a mulher é exibida na tela emitindo um impacto erótico, ou seja, está ali para ser olhada. Ela desempenha o papel de congelar a narrativa, provocando o fascínio do espectador, por meio do prazer que ele sente em usar outra pessoa como objeto de estimulo sexual através do olhar.
Wong representa a mulher contemporânea que transita entre a independência e as raízes conservadoras da sociedade patriarcal. A mulher da atualidade trabalha fora, mas deve conservar o padrão de mantenedora do lar. A personagem de Lee é uma estrategista que deve trabalhar em beneficio de um bem maior, mas demonstra-se fragilizada em alguns momentos entregando-se aos sentimentos.
Entregar-se aos sentimentos nem sempre é uma escolha inteligente, pois o sujeito torna-se vulnerável. O amor é paradoxal, já que tem o mesmo poder para construir e destruir.
A mulher como figura/imagem dialoga constantemente com a história da humanidade, aonde a mulher vem sendo vulgarizada e diminuída perto da imagem masculina. Wong se entrega aos sentimentos, enquanto Yee permanece agindo friamente. Isso também é uma maneira de representar a inferioridade da mulher que não consegue ser racional, mostrando uma mulher que não pode ser confiável em assuntos importantes, como os políticos, já que os sentimentos podem atrapalhar algumas decisões que não podem ser emotivas.
Mas será que esse pensamento é realmente correto? Se Yee tivesse dado vazão aos sentimentos o percurso poderia ter sido outro e destinos poderiam ter sido alterados. Porém, a masculinidade deve ser expressada por um personagem solitário, angustiado baseado no conceito “Tough and Sensite” (Durão e Sensível). Mesmo sofrendo com sua decisão Yee continua sendo “durão” e decide viver em sua solidão causada pelas suas escolhas e imagem que resolveu representar em uma sociedade machista.

 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
            A análise do filme “Desejo e Perigo” de Ang Lee nos possibilitou observarmos como o diretor usou da sétima arte para representar uma Xangai dos anos 40 que sofreu com a ocupação do Japão e até hoje sofre com os impactos socioculturais deixados pela guerra.
            Percebemos homens (agora sem diferença de sexos) entre o amor, o prazer, a sedução, a traição, a razão e a emoção.
            O sexo ilustra a guerra dos gêneros, homem e mulher, dos inimigos, colaboradores e resistentes.
Dessa forma, podemos concluir que Ang Lee produz uma obra histórica focada no conflito entre o que você deve fazer e algo interior que você tenta reprimir.
 
 
REFERÊNCIAS
 
Spence, Jonathan D. - Em busca da China Moderna: quatro séculos de História. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

SMITH, Cristiane Busato. O lugar do corpo feminino na comédia musical dos anos cinqüenta.

Xavier, Ismail. A Experiência no Cinema. Rio de Janeiro. Edições Graal: Embrafilme, 1983.


FILME:

DESEJO E PERIGO (Lust, Caution), de Ang Lee, EUA/China, 2007.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

BRUISES


E para esquecer ela foi escrever, mas ela não queria rimar, só queria desabafar sobre qualquer coisa banal que a distraísse, que a deixasse longe daquela rua em que se beijaram pela primeira vez, daquela praça em que brigaram pela segunda vez e daquela página da internet que ela tinha vasculhado pela terceira vez nos últimos vinte e dois minutos, só para saber se ele havia compartilhado algum link inútil em que ela tentaria encontrar uma relação entre o que aconteceu com eles.
Não era um texto para ele, não era sobre ele, era sobre os seus desejos secretos, seus prazeres ocultos, seus sonhos simplórios, seus pensamentos travessos, era egocentrismo em palavras, era sobre ela e sobre o que ela mais queria naquele momento, que ele cuidasse das suas cicatrizes.
Ela se lembrou do dia em que rolou em uma descida e foi parar no hospital toda ensanguentada, mas não ligou, porque tinha mais sangue no seu coração do que no joelho que levava pontos na mesa de operação. Ficou uma cicatriz, seu joelho nunca mais seria o mesmo, teria aquela marca escura, que a faria lembrar-se daquele dia, como se lembraria de todos os seus amores, que deixaram cicatrizes em seu coração.
Muitos garotos haviam marcado a sua vida, muitos amores desfeitos e muita torta de amora para curar a bad. O último doía mais, só porque ainda sangrava, mas logo ficaria só a marca do soco que levou no peito.
Não importa, há sempre um amigo para te levar para o hospital ou para ouvir seu chororô sem sentido.
Ela não queria ficar insistindo em assuntos amorosos que sempre levam a remorsos: como deveria ter sido, como deveria ter feito, como deveria ter esquecido. Desse jeito ia parecer uma menina chorona, deveria manter a sua fama de durona, amores são descartáveis, usamos e jogamos fora, era como ela sempre dizia, mas não se convencia.
Percebeu que não falava de coisas banais e que os sentimentos estavam sempre presentes, aquele texto mais uma vez falou sobre o tal amor, o clichê que todo mundo critica, mas todo mundo vive, compram balões coloridos e buquês gigantes e caminham orgulhosos pelas metrópoles, atrapalhando os cidadãos que andam apressados para logo chegarem em casa e encontrarem seus companheiros, para contar sobre o dia e pegarem no sono abraçados com um leve sorriso de contentamento, de bobo apaixonado.

MENSAGEM DE TEXTO


            Ela tomava uma cerveja no bar, tomava duas, tomava três e por aí foi. Sabe como é, toma uma, toma duas, toma três e quando viu já tomou...
            Naquele dia a caminho do bar passou em uma banca e adivinha...! Comprou uma recarga para o seu celular. Depois de algumas cervejas resolveu ligar para seu ex-affair (é claro). Não tinham sido namorados, haviam se acostumado com a presença um do outro e foram levando por um tempo, até que ele achou que era melhor não se verem mais e ela para parecer legal concordou.
            Discou e desligou na primeira chamada. A besteira estava feita, indiferente de ter desligado, ele veria o seu número no identificador de chamadas. Droga de tecnologia! Enfim, já estava tudo perdido mesmo, ela iria mandar uma mensagem. Mandou! Estava sozinha, queria ocupar o tempo com alguma coisa naquela mesa de bar vazia, a única vazia, já que todas as outras estavam ocupadas com casais sorrindo, bêbados e momentaneamente felizes.
            Ela recebeu uma nova mensagem, seu coração disparou, pediu mais uma cerveja, precisava tomar coragem para abrir a resposta. Ele podia estar xingando, mas porque a xingaria? Por gostar dele? Por não conseguir esquece-lo? Os homens são instáveis, talvez ele tivesse se arrependido e quisesse vê-la. As múltiplas hipóteses dançaram pela sua mente. A inquietude tomou conta de si, transparecendo em seu corpo, suas mãos tremiam e seus pés batiam no chão de madeira (não sei por que dizer que o piso era de madeira, mas achei que ficaria mais bonito).
            A cerveja chegou, ela matou aquela garrafa com tanta rapidez que não conseguiu se reconhecer, não era de beber tanto.
            Enfim, abriu a mensagem que dizia:
“Sua recarga foi efetuada com sucesso, aproveite nossas promoções.”

domingo, 7 de outubro de 2012

SEAMS - O COSTURAR CINEMATOGRÁFICO

 
            O “média-metragem”, Seams, foi o primeiro trabalho cinematográfico do diretor e roteirista Karim Aïnouz, produzido entre o período de 1989 a 1993 e que faria um paralelo com seus filmes posteriores (principalmente, com "Viajo porque preciso, volto porque te amo"). Na época ele estava morando nos EUA e sentiu a necessidade de visitar a família (composta por mulheres) no Brasil, para colher imagens em Super 8 mm, com o receio de que não tivesse mais a chance de vê-las. 
            O que começou com uma coleta de dados, uma espécie de diário intimo motivado por uma relação de afeto, logo tornou-se um projeto audacioso. Karim que se encontrava em um contexto em que a política sexual (AIDS) estava sendo absurdamente debatida em Nova York, decidiu que as imagens das mulheres da sua família poderiam comunicar algo, e a partir das dificuldades, experiências e senso de humor dessas senhoras, criou um filme em que usa elementos típicos do documentário, como a voz over e os depoimentos que relatam três histórias e elementos ficcionais com imagens “roubadas” de contextos diversos.
            É interessante saber que a tradução de Seams em português entende-se como “Costurar”, uma homenagem a sua mãe que ao ser deixada pelo marido tornou-se costureira para ser a mantenedora absoluta do lar.
            A imagem do algodão vista na película, faz referência ao cabelo branco da avó, ao ciclo de algodão no Ceará e ao tear que também chama a atenção para a fofoca que ocorre entre elas durante os depoimentos. A imagem do tear, ainda, aparece de modo mais explicito nas imagens gravadas em uma instalação (de uma amiga de Aïnouz).
         Segundo Karim, Seams funciona como um documento da condição da mulher do século XX, podendo ser visto, claramente, nos depoimentos de mulheres que sofreram, enfrentaram e se adaptaram a um contexto em que ser mulher era especialmente conturbado.
            É relevante saber que as senhoras não viram o filme, por escolha de Aïnouz, que no momento acreditou ser desnecessário que elas tivessem consciência da exposição em que foram inseridas.

  • Texto produzido durante o Workshop com Karim Aïnouz - Ficção Viva II

sábado, 25 de agosto de 2012

360 - FERNANDO MEIRELLES

 
O novo filme de Fernando Meirelles, adaptação da peça “A Ronda”, com roteiro de Peter Morgan, intitulado de “360”, como o próprio nome sugere trata das voltas que a vida dá. Às vezes é necessário andarmos em círculos para voltarmos ao ponto inicial (de uma nova escolha), evoluindo ou não.
Várias histórias de pessoas “comuns” acontecendo em vários cantos do mundo e os personagens se dedicando a aprendizagem da língua inglesa sugerem o tema: globalização e todas as suas consequências, boas e/ou frustrantes.
Todas as histórias partem de relações sexuais, que acarretam sentimentos, traições ou dinheiro. A representação de mundo percebida pelo público é que todo mundo trai e é traído. Já que são essas as causas dos conflitos vividos entre os personagens que vivem em diferentes espaços e culturas.
A metáfora da bifurcação aponta que nossas vidas dependem de nossas escolhas. No caso do filme, as traições em que a maioria dos personagens se envolve, tratam-se das escolhas tomadas pelos mesmos. Alguns escolhem trair, alguns não perdoam, outros nunca descobrem que foram traídos. E do mesmo modo todos seguem suas vidas por caminhos tortos, onde ninguém sabe onde vai dar.
As histórias de pessoas tão distantes se encontram, formam um círculo angustiante, onde os personagens perdem-se nas relações humanas, sofrendo e vivendo as consequências das alternativas que a vida nos oferece, insistentemente.

FICHA TÉCNICA
 
 
Reino Unido, Áustria, França, Brasil , 2012 - 110 min.
Drama  

Direção: Fernando Meirelles  

Roteiro: Peter Morgan  

Elenco: Anthony Hopkins, Jude Law, Rachel Weisz, Ben Foster, Vladimir Vdovichenkov, Maria Flor, Lucia Siposová, Gabriela Marcinkova, Johannes Krisc, Dinara Drukarova, Jamel Debbouze, Juliano Cazarré

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O ATO DE (DES) AMAR


 
Algumas situações são inevitáveis, mesmo parecendo bobeira. Apaixonar-se pode parecer uma tolice, perder o controle, o equilíbrio e sair por aí dizendo e fazendo coisas completamente insanas, bregas e imaturas.
Entregar o seu mundo ao desconhecido, pensar que instantaneamente sua vida foi colorida por um grande artista, quando na verdade é só um pseudo.
João pensou que ela fosse a pessoa certa, aquela que ele faria feliz e que com isso seria feliz também. Era apenas ela que o preocupava, ele passava os dias pensando em como faria a vida da garota valer a pena ao seu lado.
Deu tudo errado, ela o traiu, foi embora e o deixou em pedaços. Ela não quis ter consciência de que estava destruindo um pouco de vida daquele homem, que viveu meses de ilusões.
Catarina não era a garota que parecia ser, realmente, as aparências enganaram João, também, quem mandou não ouvir o velho ditado.
Passou meses caído em uma cama, levantava para sair com os amigos, já que foram os únicos que deram força, brigaram, disseram “eu falei”, “eu sabia que ela não prestava”, “eu te avisei”, mas permaneceram ao seu lado. O emprego ele perdeu, pediu demissão, não suportava a rotina da ida e vinda ao trabalho, olhando a estrada pela janela do ônibus, atormentado pelas lembranças.
Um dia ela voltou, ele tinha um novo emprego (melhor que o anterior), estudava, viajava e se divertia. Não tinha um novo amor, mas em breve pretendia estar curado das feridas que ainda ardiam nos momentos de solidão. Para Catarina estava tudo bem, quis conversar, contar sobre os novos projetos e queria consolo, já que o namorado havia terminado, após saber de sua “escapadinha”, em uma noite qualquer em que queria emoção.
João sentiu vontade de jogar toda a sua dignidade no lixo, pega-lá em seus braços e abraça-lá forte. Ele não conseguiu, era como se sentisse toda a dor dos últimos meses. Quando olhava para ela, não sentia mais conforto, era um olhar falso, traiçoeiro.
Naquela noite Catarina morreu.   

sábado, 11 de agosto de 2012

PERFUME FRANCÊS


            Lá estava ela, toda arrumada, havia comprado roupa nova, sabia que o veria de novo e queria chamar a atenção. Até o perfume era novo, francês, dizem que são os melhores. Ela acreditou na convenção. Na verdade, o brasileiro que ela tinha era até melhor, mas já que havia importado o perfume da Europa, especialmente, para a ocasião, decidiu usá-lo, era bom, só não era melhor que o brasileiro.
            Deixando o perfume de lado, vamos falar da história de amor da garota que “encontrou” o garoto, ela não encontrou, ele não estava perdido, poderia estar, mas não visivelmente, pelo menos. Vamos falar da garota que “viu” o garoto, assim fica melhor.
            A garota estava toda arrumada, recebeu muitos elogios, falaram do novo corte de cabelo, da nova bolsa, do novo par de sapatos, do branqueamento nos dentes... Ninguém havia notado o novo rímel, mas ela comentou e todos concordaram que seus cílios estavam maiores. Ela aguardava o momento que o garoto a “encontrasse”, ela sim, estava perdida no vazio interior.
            Passaram horas tão próximos, mas ela sentia que havia uma muralha entre eles. No fim da tarde estava acabada, o cabelo despenteado, a roupa amassada, de mau humor e só desejava ir para casa, sumir daquele lugar inútil.
            Decidiu ir embora. A última pessoa que desejava que a visse era o tal garoto. Então, ele foi falar com ela, elogiou o seu cabelo, a sua bolsa e comentou sobre o seu rímel, só não percebeu o branqueamento nos dentes.
            Eles se conheceram, saíram algumas vezes, estavam felizes. Para ele tanto fazia, decidiu partir. Ela cortou os pulsos, tomou remédios, entrou em uma banheira com um secador ligado. Mentira! Ela continuou trabalhando, estudando, saindo com os amigos, essas coisas do cotidiano de qualquer otário.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

UMA HISTÓRIA QUE NÃO VAI GANHAR ADAPTAÇÃO


            Eu vivia muito bem, até os sonhos surgirem. A realidade me bastava, aquele dinheiro que eu ganhava no fim do mês, aqueles bens de consumo, os bons amigos e as idas aos bares.
            Ficava fascinada com o mundo que via nas telas grandes daquele universo chamado “cinema”. Encantava-me com as palavras que formavam frases e mundos nos livros. A arte bastava para amenizar a rotina.
            Um dia você apareceu, acreditei que como a personagem de um livro que li, ou seria de um filme? Talvez tenha sido um livro adaptado para o cinema. Fazem tanto isso, não é?  Enfim, voltemos à personagem. Como a personagem, eu viveria uma história de amor. Amor! Que ridículo, ouvir essa palavra. Que ridículo acreditar que uma palavra convencionada para definir um sentimento... Espere... Talvez tenha sido o sentimento convencionado para definir a palavra. Isso explicaria muita coisa, muita busca em vão. Mas nesse caso por que sofreríamos? É... Complicou.
            O que é bom passa rápido, aquela música preferida, aquele filme longo que parece durar apenas minutos. É... Foi um roteiro legal, destruído por você, um diretor amador.

domingo, 17 de junho de 2012

CARNAGE




            Baseado na peça Le ‘Dieu du Carnage’, de Yasmina Reza, ‘Carnage’, dirigido por Roman Polanski, surpreende e prende o observador. Dois casais em um apartamento discutindo sobre uma briga entre seus filhos. Como produzir um roteiro espetacular com uma locação e quatro personagens? Yasmina Reza e Roman Polanski nos dão a resposta.
            O filme inicia-se com os personagens mascarados, personas diferentes, mas amigáveis. Logo, percebemos que as divergências ideológicas começam a incomodar e o discurso passa a ser sutilmente irônico.
            Com a cena do vômito a sujeira é jogada no ventilador e as neuroses já não são mais maquiadas pela política da boa vizinhança. Daí, as neuroses manifestam com maior intensidade até chegar ao ponto da decadência de todos os personagens. Eles perdem os mecanismos de defesa, já alcoolizados, desabafam, agridem e passeiam entre o masoquismo e o sadismo.
            A sala do apartamento é cenário para as crises existências, angústias, insatisfações, egocentrismo e histerismo dos personagens. O cômodo que no inicio surge todo organizado vai degradando-se junto com as personas.
            De modo muito inteligente a história não se torna cansativa, já que o celular de Alan que não para de tocar, sutilmente alivia a tensão da narrativa, assim como o casal que ameaça ir embora várias vezes e a vontade de Nancy em vomitar. Recursos que interagem com a narrativa e não estão ali por acaso, só para ficar divertido.  
            Carnage narra uma tragédia, mas que vista de longe (por nós), facilmente passa para o tom cômico de forma inteligente e sem o nítido desejo de ser engraçado.

FICHA TÉCNICA


Direção: Roman Polanski

Roteiro: Yasmina Reza e Roman Polanski

Elenco: Jodie Foster, Kate Winslet, Christoph Waltz, John C. Reilly

França/Alemanha/Polônia/Espanha , 2011 - 80 minutos

Comédia / Drama

sexta-feira, 8 de junho de 2012

TRISTE ALEGRIA


O relógio marca o tempo, o tempo que a sociedade nos deu. O tempo que passa, o tempo que desperdiçamos, o tempo em que queríamos voltar, o tempo que gostaríamos de esquecer.
Tudo passa. Letícia pensava nisso a todo instante. Quando estava feliz, ficava triste, pois sabia que iria passar. Quando estava triste, ficava triste também. Ela não seguia uma lógica, isso é certo. Mas a verdade era dela, sem muita coerência.
Certa vez sua mãe disse que escolheu seu nome porque vinha do latim e significava alegria. Ela não ficou alegre em saber disso, achou incoerente, já que não sabia o que significava alegria. Uma palavra? Um instante? Uma lembrança ou uma esperança? 
Uma vez ela leu: Vende-se: sapatos de bebê, nunca usados. Tratava-se de um conto de Ernest Hemingway. Um conflito. Não era simples como parecia. Porque vendiam sapatinhos de bebê? Ninguém sabe. O bebê teria morrido antes de nascer e por isso seus sapatinhos nunca foram usados e estavam à venda?  Para que complicar? Os sapatinhos eram novos e estavam à venda em qualquer uma dessas lojas de roupas infantis.
Letícia tinha o hábito de complicar. Dessa vez ela tinha complicado bastante a sua vida. Onde estava o problema? No pior lugar possível, na sua cabeça, de lá ele não saia. Letícia não se importava em estar em uma sala escura, úmida, com fome e febre, a pior sensação era causada pelas suas lembranças.
Ela poderia ter sido feliz.
- Não seja estúpida, depois de tudo você ainda pensa que a felicidade poderia lhe pertencer? Sempre uma iludida, uma sonhadora idiota. Depois de tudo ainda consegue pensar nisso? Pensou tanto que acabou aqui em busca da tal felicidade que tanto falavam. 
Ela poderia ter encontrado um novo caminho.
- Não, você estava muito focada para pensar em seguir em frente. Você só queria permanecer parada no tempo, no tempo em que pela primeira vez entendeu o significado do seu nome.
Ela poderia ter fugido do seu destino.
- Se iludindo de novo, Letícia? Não foi destino, você planejou tudo, você contrariou a lógica. Ninguém acreditava que você conseguiria. Você conquistou e se sentiu orgulhosa. O tempo passou. Agora você está aqui, no tempo que não passa, nos dias que não mudam, sem a vida que não lhe bastou.

Abre-se a porta da cela, o guarda interrompe a conversa que Letícia tem consigo.

O julgamento começa:

 “Sou Letícia, 22 anos, solteira, ensino superior completo. Meu crime? Matei o meu amor.”