"A NOSSA LINGUAGEM CRIA O MUNDO."

terça-feira, 18 de novembro de 2014

ALÉM DO PONTO DE CAIO FERNANDO ABREU


 
            Chovia, chovia, chovia e eu ia indo por dentro da chuva ao encontro dele, sem guarda-chuva nem nada (...). Assim chego em Além do Ponto, entre tantos outros contos de Morangos Mofados. Sempre estou na chuva, sem guarda-chuva nem nada, também estou embaixo do sol quente, aquele que queima e deixa meu nariz vermelho, o frio também deixa o nariz vermelho, combinando com as bochechas envergonhadas quando bato na sua porta.

            O personagem de Caio Fernando Abreu é quem ama, que não se protege, torna-se vulnerável e ansioso, enquanto pensa em bater na porta, porque o amor convidou para dar uma passadinha por lá, quem sabe tomam um café, conversam embaraçados, desembaraçam e assistem um filme, enquanto a roupa seca, perdem algumas cenas.

            Teve uma hora que eu podia ter tomado um taxi, mas não era muito longe (...). Vive-se o percurso, o frio na barriga, a espera, a incerteza e a esperança de bater na porta, ela se abre com um sorriso do outro lado: entre logo, está muito frio aí fora.   
 
 Não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andasse insone, e eu andava, roxas olheiras, teria que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava relaxando (...) 
 
            A gente quer ser o melhor, quer ser a melhor parte de nós, mas não dá para ser só o melhor, a gente não é só uma parte, tem as inseguranças, o dente quebrado que surge no sorriso, não dá para esconder, a gente sorri. Bagagem que todo mundo carrega cheia da vida, de morte, a espera do próximo trem para embarcar, do passageiro que irá sentar ao lado e comentar que a mala é bonita - mas já está fora de moda – não importa, continua bonita.

            Tudo ficara muito confuso, ideias misturadas, tremores, água de chuva e lama e conhaque no meu corpo sujo gasto exausto batendo feito louco naquela porta que não abria, era tudo um engano, eu continuava batendo e continuava chovendo sem parar, mas eu não ia mais indo por dentro da chuva, pelo meio da cidade, eu só estava parado naquela porta fazia muito tempo (...)

            Vou continuar parada naquela porta, a chuva interditou o caminho de volta, nem queria voltar mesmo, queria bater na porta, queria entrar, dizer que senti saudades, pedir desculpas pela lama, posso usar o banheiro? Claro, pegue essa toalha, tome um banho, o chuveiro está quentinho, vou fazer um café enquanto isso. Continuo batendo na porta, se estiver dormindo vai demorar para atender, tem o sono pesado, pode estar dormindo, não quero incomodar, vou bater de leve.

sábado, 18 de outubro de 2014

SEMANA CURITIBA LÊ (Produção)

 


Percepção e Representação

 
            Busquei em todas as minhas referências, o que eu sabia, nas ciências e até nas lendas curitibanas. Ele não existia. Havia desconstruído o meu olhar, não nos identificávamos. Tinha olhos grandes, eram verdes, mas quase não se via, havia muita água.       
            Perguntei seu nome, disse que não importava, não queria semantizar nosso contato. Perguntei se queria conversar, achava inútil. Eu queria respostas, queria entende-lo e encontrar seu lugar no mundo, eu saberia qual era o lugar em que nunca estive.
            Ele não me disse nada, teria que pesquisar. O Google me deu algumas imagens semelhantes, sempre faltava alguma coisa, faltava a corcunda, faltavam os dedos nervosos e faltava a necessidade de vida. Os livros descreviam seres mitológicos que até lembravam, mas nunca teriam o encanto de tornar-se real em meu mundo.
            Desisti de saber como ele era e conclui o que ele se tornou no lugar em que vivia em mim.

  
Instruções para amar
 

            Encontre a pessoa certa, aquela que você acha que é certa e todo mundo vai achar que é errada, mas o que importa é a sua opinião.
            Tenha momentos felizes, leve a pessoa certa a todos os seus lugares favoritos, quando a pessoa certa terminar com você, seus lugares favoritos vão ser os lugares mais tristes sem a pessoa certa.
            Conte tudo para a pessoa certa, ouça tudo que ela tem a dizer. Quando estiver sem ela escreva todas as histórias que não deram certo, ouça a música que mais poderia ter dado certo como trilha sonora do seu romance que deu errado e morra de amor, só para perceber que a pessoa certa sempre foi errada.


 Lista de seres 

Incríveis (concordam comigo)
Insuportáveis (não concordam comigo)
Outras (nunca falei com elas)
Eu (insuportável).

 

Exercícios elaborados na Minioficina de Criação Literária, ministrada por Monica Berger, na Semana Curitiba Lê. 

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

MISE-EN-SCÈNE


            O mundo me incomoda, mas não é o mundo, eu me incomodo, mas não sou eu. Estou cheia, não sei se é felicidade ou sofrimento. São dois sintomas invisíveis, indizíveis, analiso e me decomponho. Olho antes de me reconhecer, percebo uma semantização, tudo implica um denominar, que implica em um definir, que não me revela na própria essência. Não sou palavra, sou o que me olha, o que me afeta, entre o mundo vivido e o mundo imaginado, sou realidade. O mise-en-discours transforma o dito, discursa e cria minhas ações no mundo. Exponho-me independente da finalidade, amplio os significados, quando não digo, não faço, quando faço digo certo ou errado. Passa, estou em fluxo, apreendo o mundo pelo sentir, pela cidade, no ônibus ou em alguma fila de consumo, estou na presença de tantos, a atenção é distraída, a consciência está no prazer vinculante do que não me pertence, o desejo é a falta. Como me falta aquele dia todos os dias, como me falta morrer de felicidade, ter certeza que não é sofrimento pela falta do sentir do sentir, sentir em ato, perceber e ser presença. O mundo não é o que me revela pela janela da casa, pela janela do meu vazio, não há realidade, é um deixar-se levar, causa e efeito, fórmulas do sensível socializar e de socializar o sensível, estetização da vida. O mundo é vinculante, presentificação, a maneira que nos tornamos presentes em nós, nos tornamos próximos, um mundo bonito, distração de quem sente, sensação de vida, performática, dinâmica, relacional e estética.

domingo, 17 de agosto de 2014

Copos e Corpos

 
            Não! Não era assim que havia pensado sua vida, talvez nunca tivesse pensado a sua vida e isso deixava confuso, será que teria chego onde pensou? Nunca saberia, não tinha planejado, deixava a vida levar, deixava os sentimentos levar para aquele momento. Bagunça! Como chegou a quebrar todos os copos? Agora a cozinha estava perigosa, cacos por toda a cerâmica e não podia se acalmar, não podia servir água com açúcar. Como dizia a música, todo copo vazio é cheio de ar, acho que é mais ou menos isso ou exatamente isso, algo assim com ritmo de poesia. Tanto fazia, não tinha mais copos, perdeu o ar. Sufocou!

            Planejou o suicídio, havia planejado todas as vezes que havia acabado. Se acabava! Os amigos não tinham contato, achavam que tinha morrido mesmo, procuravam o seu nome nas notícias sangrentas, tinha sangue na toalha de banho. Desastre com a lâmina de barbear. Não gostava de fazer a barba. Sempre cortava o rosto quando chegava no bigode, pena que não tinha nenhuma veia por ali, pelo menos não sabia se tinha, sempre péssimo em se localizar.
 
            Onde estava a autoestima? No mar, no mar sentia alguma alegria, mesmo imaginando-se com pedras nos bolsos caminhando para o fundo, as ondas empurravam para a areia e podia tomar uma água de coco, pensando que a vida seria boa, se soubesse nadar. Nada! Dizia o pai ao lado para o filho que aprendia a respirar na água, nada, menino. Nada! Dizia para si mesmo, nada, foi o que restou, menos que um copo vazio. Sufocou!

domingo, 13 de julho de 2014

NÃO CONFIE EM QUEM NÃO GOSTA DE BATATA FRITA - PARTE 2


            Mais uma vez estamos aqui, a mesma mesa perto da janela. Eu gosto desse lugar, quando falta assunto ou ficamos constrangidos com o assunto, dá pra olhar pra fora e fingir apreciar o balanço das folhas daquela árvore. Ela lembra a minha infância. Tinha uma assim lá em casa. Meu pai cortou, porque caia muitas folhas na calçada. Ele odiava folhas na calçada. Eu até que gostava, criava um ar melancólico, a natureza sobre o cimento. Ele nunca me entendeu. Ninguém nunca se entende, nós aqui, sempre nessa mesa tentando compreender porque ainda persistimos. Talvez a gente venha aqui por causa do hambúrguer, esse double é a melhor coisa que fizeram e o garçom já me conhece e sabe que não como queijo e salada, fica mais fácil, sem olhares inconformados ao anotar meu pedido. 
            Vamos chamar o garçom? Estou com fome! Não comi direito durante o dia, confesso que estava tensa com esse encontro. Sempre estou tensa quando estamos juntos, sempre acontece alguma coisa que me dá razão por ter estado tensa o tempo todo.
            Garçom - Já vão pedir?                                                                                         
            Ele – Hambúrguer completo pra mim.
            Ela - Sem queijo e salada pra mim.
            Garçom - Com batata frita?
            Ela - Sim.
            Garçom – Pelo menos isso, todo mundo gosta de batata frita, até as estranhas que não comem queijo.
            Ela – Mussolini não gostava de batata frita. Talvez Hitler não gostasse de queijo. Você ia falar assim com eles?
            Garçom – Já trago o pedido.
            Sabia que tinha um motivo para ter estado tensa o dia todo. Trocaram o garçom. Como eu odeio mudanças. Elas acontecem sem que estejamos preparados.  Eu não estava preparada para deixar de gostar de você. Você era a minha música preferida, o coração conhecia o ritmo e eu só sabia dançar com você. Ok, nunca fui uma boa dançarina, nem você. Quando a gente encontra a música preferida ouvimos tantas vezes que chega aquele momento que enjoamos. Começamos a ouvir outras músicas e achar mais interessante. Até ouvimos a velha música preferida, mas é só para relembrar do tempo que ela nos fazia dançar. Qual música eu gostaria de ser pra você? Algum clássico que nunca sai de moda. Mas essas bandas todo mundo ouve e com o tempo se tornam tão previsíveis. Na verdade queria ser a música de uma banda que quase ninguém conhece e um dia você resolve ir ao show, porque não tem nenhum filme bom passando no cinema e quando você ouve aquela música tem certeza que passou a vida em busca daquele som e quando volta pra casa ela não sai da sua cabeça e você vai procurar a banda no Facebook e descobre que vocês têm muito em comum e baixa o cd inteiro no seu ipod e não para de ouvir, na ida ao trabalho, na volta para casa, no banho, antes de dormir, ao acordar e nunca, nunca vai enjoar, mesmo quando estiver ouvindo Beatles, vai sentir saudades de quando ouviu a música da banda desconhecida pela primeira vez. Você vai ser sempre a música da banda desconhecida pra mim, mesmo que agora eu queira ouvir Ramones.
            Garçom – Estão servidos.
            Ela – Tem queijo no meu hambúrguer.
            Garçom – Vou pedir pra trocar.
            Posso ver o que você está lendo? Não conheço. Não sou muito fã desse tipo de leitura. Ficção é o que me encanta. Meu professor sempre dizia, a mentira é sentida por quem a inventa. Literatura é assim, uma mentira que contamos pra expressar o que sentimos. A magia está em entender as entrelinhas, a verdade oculta na invenção do novo. Estou escrevendo um conto, você não vai ler mesmo, posso te confessar, é sobre nós, somos dois heróis de guerra, disputando o amor por uma enfermeira, após sermos atingidos por uma granada. Como nos tornamos rivais?
            Garçom – Sem queijo, certo?
            Ela – Obrigada.
            É difícil admitir que não gosto de queijo e sempre deixam o processo mais complicado. É difícil admitir que nunca mais teremos a primeira ligação cheia de expectativa, esperando o primeiro convite para um encontro. Nunca mais teremos o primeiro encontro cheio de ansiedade, torcendo para que tenhamos o segundo. É difícil deixar de amar por livre e espontânea vontade, só porque nunca haverá mais a primeira vez, você já se decepcionou com tudo e cansou de terceiras, quartas e infinitas vezes em que não deu certo. A primeira vez que estivemos aqui não consegui sentir o gosto do hambúrguer, estava tão nervosa, agora eu sinto o gosto da costela, sempre penso em pedir de alcatra, mas deixo para a próxima vez, eu sempre deixo um pretexto para voltar com você. Quem sabe da próxima vez eu peça o hambúrguer de alcatra.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

CURTINDO A FOSSA


                Se eu responder a mulher que bate na porra da porta será que ela vai estar bêbada o suficiente para me entender? Eu vou ter que voltar para aquela mesa. Será que ele foi embora? Será que deixou a conta para eu pagar? Será que ele está esperando para conversarmos melhor? Será que ele mudou de idéia e vamos continuar a beber ou será que ele vai continuar com aquela história de que eu tenho que seguir em frente?
                Aqui ninguém invade a minha privacidade, a não ser a mulher bêbada que não para de bater. Será que faz tempo que estou aqui? Perdi a noção de vida desde quando ele sentou naquela mesa, 20 minutos atrasado e disse que não queria beber nada comigo. Não queria beber nunca mais comigo, nem comer, nem conversar, sair, assistir filmes que a gente nunca assistia até o fim, ligar de madrugada e responder minhas mensagens pela manhã.
                Estou um pouco tonta, se eu desmaiar aqui posso bater a cabeça, com sorte morrer ou pelo menos ficar com amnésia e esquecer aquele idiota. Quem é que usa a palavra idiota? Os meus palavrões não amadureceram, talvez ele tenha razão quando diz que preciso amadurecer e descobrir que o amor não existe.
                Vou abrir a porta, preciso conversar com alguém, essa mulher está desesperada para entrar aqui, certamente, vai me entender. 

domingo, 11 de maio de 2014

O FIM DE NÓS

O mundo está acabando! O mundo está acabando para nós, o tempo está começando para eles. A vida não guardou surpresas, viver era previsível, morrer era certo desde o início. Nós estamos acabando!
A vida acontece para onde estamos indo e sempre morremos antes de chegar. Eu queria começar, mas o mundo está acabando. Já somos velhos para saber que começar não é o suficiente, o mundo vai acabar. Não adiantam tardes de domingo, sorrisos no travesseiro, o mundo vai acabar.
Passamos a não começar, mas também não sabemos terminar, somos meio, meio tudo no meio de tudo e o mundo acaba meio que de repente (com a gente). 

Permaneço aqui, onde nada existe, mas não acaba, danço para não ficar imóvel, perco o ritmo: o mundo vai acabar (no meio de sonhos frios, congelados pelo tempo que passou, no meio da realidade que não ousou ser nós). 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

VAMOS TRATAR DESSE ASSUNTO

Foi em um dia normal, nem lembro se fazia sol ou chuva, só lembro que a gente conversou, talvez eu só tenha ouvido você conversar com pessoas que estavam comigo. Ouvir você fez o dia ficar diferente e não era mais normal ouvir você falar, porque o meu coração batia diferente, mudou o ritmo dos meus pensamentos e eu ficava em silêncio, porque queria prestar atenção na sua conversa. A partir desse dia você tornou-se o meu assunto, queria falar de você com você quando estávamos perto e queria falar de você com todo mundo quando estávamos longe.
O assunto foi acabando. Eu queria contar que andamos de mãos dadas pela cidade e que você havia me salvado de um ataque de pombos na Tiradentes e que era bonito ver o seu cabelo bagunçado de manhã e que eu não ficava mais mal humorada a noite. A falta da existência a dois foi deixando tudo pela metade, coração partido ao meio, diálogos interrompidos por telefonemas não atendidos e encontros sem reticências, sem mãos dadas, ataques de bombos, cabelo baguçado e bom humor. 
Eu não queria deixar o mundo em que eu gostava de ouvir você falar, eu gostava de falar de você, eu ficava feliz quando convivíamos juntos e era bom sentir borboletas no estômago.

Um dia percebi que o nosso mundo estava dentro de mim e foi um dia estranho, porque o meu mundo não existia em você.

domingo, 27 de abril de 2014

HOJE É UM DIA TIPICAMENTE ESTRANHO

            Não quero ser sozinha no mundo em que sou estranha, é sempre melhor achar algum estranho para conversar. Não sei dizer por que me tornei estranha, nem quando isso aconteceu, se foi um dia em que não me reconheceram porque havia mudado o cabelo ou quando não me reconheci porque mudei algo do lado de dentro. 
            Tem aqueles dias que fico cheia de tudo, tão cheia que tiro tudo de dentro de mim, as cartas de amores partidos, aqueles que estavam esquecidos, relembro dos amados e desalmados, escrevo para todos eles e depois mastigo cada folha para deixar tudo em seu devido lugar. A gente procura novidade e demora a acostumar com a nova visita, que quando se torna conhecida vai embora e deixa um vazio estranho e você se enche de saudades.
            Amigos vêm e vão com a mesma intensidade que ninguém nunca quis conselhos, sermões, eu disse isso e aquilo, a gente só quer um ombro amigo, ombros que não falem, ombros que enxuguem lágrimas. Eles sempre acabam falando em momentos que ficar quieto é a melhor opção, mas eles não são estranhos e falam porque são sinceros e diretos, amigos. Até parece estranho tanta intimidade, parece cruel tanta franqueza.
            Vamos para a rua procurar a indiferença que acontece no vai e vem da normalidade. Esperar o ônibus ao lado da senhora que não te dá bom dia, ser atropelada pelo ciclista que sai te xingando e logo é atropelado por um carro, desviar do mendigo que dorme com tranquilidade na calçada, enquanto você entra no prédio e o porteiro aperta o botão do elevador para você (que não sabe o nome do porteiro, nem ele o seu).
            Hoje é um dia tipicamente estranho, cheio de ideias, cheio de sonhos, cheio de amores e eu mais cheia de mim, enquanto quero que os amigos ignorem as lágrimas que caem em seus ombros, apenas se movam ao som da música de sábado à noite e sejamos todos estranhos de nós mesmos, sem precisar reconhecer os sentimentos que entram sem falar “podemos nos conhecer?”. 

sexta-feira, 18 de abril de 2014

AINDA TENTAMOS RESPONDER AQUELA PERGUNTA DO ORKUT: QUEM SOU EU?



Dizem que somos perdidos, que não sabemos para onde vamos, mas nós sabemos o caminho da casa dos nossos pais. Dizem que não sabemos dar valor as coisas, mas valorizamos muito uma internet banda larga. Sabemos como as coisas eram difíceis naquela época em que a internet era discada e todo mundo tinha o seu jeitinho para acessar o Orkut, escondido dos pais antes da meia noite.

Não somos nem um pouco perdidos só porque não temos a estabilidade de um cargo público, ainda não temos filhos e não precisamos saber cozinhar. Afinal, ficamos emocionados com uma bandeja de fast food.

Tem uma geração aí falando da nossa geração. Ela não tem os turcos da Nouvelle Vague e nem os brasileiros Tropicalistas do festival de 67. Temos o pessoal do Mumblecore. O encantador Frances Ha, em que Greta Gerwig, a musa do coletivo, interpreta uma jovem com 27 anos, que faz da vida uma bela música no clima de David Bowie e o melhor, Frances dança a música. De um lado a leveza dos sonhos e do outro a pressão das convenções sociais do século passado.


Também, temos Lena Dunham, a criadora e protagonista de Girls. Hanna sonha em ser escritora, mas diante das pressões sociais é sufocada pelos padrões, que limitam seu fluxo criativo. Antes do seriado, com Tiny Furniture, Dunham já havia exposto na tela, Aura, uma jovem recém-formada em Cinema que sem emprego e sem rumo volta para a casa da mãe. A personagem entra num conflito entre se adaptar a vida adulta e competir com a irmã adolescente.

Temos o Matheus Souza, todos citariam o premiado “Apenas um Fim”, mas prefiro Vendemos Cadeiras, seriado com Wagner Santisteban, Gregório Duviver e Clarice Falcão. Três jovens em conflito em meio aos sonhos e as vendas da loja de cadeiras. Eliézer escreveu seu primeiro livro aos doze anos para conquistar uma garota, dirigiu um filme e vive dessas lembranças, desejando que elas voltem a fazer parte de algum presente futuro. Fábio Jr nunca beijou uma mulher que estivesse acordada e é rejeitado pela família que tem uma loja de sucesso que vende sofás. Diana é uma órfã adotada por 63 famílias diferentes, devolvida ao orfanato 42 vezes por justa causa e finalmente adotada por Ferreira, o dono da loja de cadeiras. Elieser e Fábio Junior apaixonam-se por Diana, ela gosta de meninas e eles decidem ser amigos.


Somos um pouco instáveis, não nego, estar dentro de nossas cabeças não é para qualquer um, por isso às vezes ficamos melancólicos. Também temos tendências artísticas, queremos ter uma banda, escrever um livro, roteirizar, dirigir, produzir e atuar em um filme, deixar nossos nomes na calçada da fama da Rua Augusta. Somos a geração criada dentro de casa que é bombardeada pela tecnologia consumida pelos pais, para que os filhos não lhe causem preocupações. Então, criamos mundos virtuais, relacionamentos complicados como distrações e expomos nossas insatisfações nas redes sociais."

Aos 26 começo a me preocupar com os próximos anos, não será muito diferente de hoje. Por um lado gosto da ideia. Tem muitas coisas que não quero mudar, mas tenho aquele medo de estar com a síndrome de Peter Pan. Deve ser a minha crise da idade, os mais velhos sempre falavam que estavam na crise da idade, acho que eles não são mais velhos do que eu agora.

Entre tantas dúvidas, lá no fundo tenho consciência de que estamos certos de nossas incertezas. Depois que consumimos cultura pop pesada durante toda a adolescência, somos forçados a entender que a vida não é um filme com fórmula hollywoodiana. É difícil, mas é bom, não precisamos seguir um roteiro. Precisamos viver o imediato, mesmo que eu, você e o Matheus Souza não tenhamos a menor ideia do que estamos fazendo com nossas vidas.

sábado, 12 de abril de 2014

E SE EU FOSSE FAMOSA?

 
Você poderia falar sobre o seu processo criativo?
É um processo que exige criatividade.
 
E como você escreve?
Eu digito o que penso e sinto (sinto muito por quem não pensa o que digita).
 
Sobre o que você pensa?
Penso coisas que vem na minha cabeça.

No que você se inspira?
No que eu conheço.
 
 
Quais são suas obras preferidas da literatura brasileira?
A coluna da Folha de São Paulo do Gregorio Duvivier, o roteiro de Vendemos Cadeiras do Matheus Souza e o site Ornitorrinco.  

Tem algum cânone para colocar nessa lista?
Sim, mas não preciso falar deles, já são cânones, é claro que todo mundo vai dizer que gosta, é claro que isso não significa que realmente gostem.  

O que você acha da facilidade de publicações na internet, como os blogs?
Acho uma pós-modernidade híbrida de fácil publicação.  

Como você descreveria a sua produção?
Produzida por mim.  

O que você gostaria que estivesse escrito em sua lápide?
Não fui Camões, mas ele foi Vaz.  

Como você quer terminar isso aqui?
O link abaixo é melhor do que isso que você está lendo:

sexta-feira, 4 de abril de 2014

AGRADEÇO SUA AUSÊNCIA


             Sozinha! Nenhum ex-namorado para falar dos meus defeitos em uma mesa de bar. Nenhuma mágoa para ser jogada no ventilador. Nenhum dia perdido discutindo a relação.

            Deveria ser, mas... Essa coisa de andar sozinha, estar solitária, tem sempre conceitos distintos. Não estar acompanhada de um status de relacionamento não significa estar isolada e imune às relações. Certamente, já fui assunto em uma mesa de bar de alguém insatisfeito com minhas reações. Mágoas jogadas na cara, disso eu não lembro, alguém aí lembra? Quantos dias perdidos ou ganhados, discutindo um misto de complexidade sentimental. Discussões para nos ouvirmos com o anseio de nos entendermos.

               Uma noite sem destino! Estamos aqui sem dar satisfações para nós mesmos! Essa sensação eu sempre gostei, amei mais do que amei uma noite a dois. É o que eu acho, mas os gostos mudam, a gente troca de banda preferida com os anos.

               Uma noite epifânica! Aquela é a sua noite e você espera o que quiser dela. Ninguém pode esperar algo de você, você quer voar, na imagética mais clichê da subjetividade e foda-se ser clichê, sem sentido, sem rumo, sem destino.

                Agradeço a ausência daqueles que me deixam por aí. Gosto da brincadeira de esconde-esconde. Sempre há uma nova diversão no intervalo para nos encontrarmos. Topo continuar correndo, vem um vento gostoso no rosto e os pés saem do chão. Odeio sentir-me presa nos quadrados da cerâmica, não preciso conhecer a cozinha, não tenho hora para jantar, odeio dizer onde estou e para onde vou. Na sua ausência eu não digo nada.

               Gosto da sensação de estar onde ninguém sabe (minha cabeça ou uma rua). Caminho como se não existissem compromissos, eu vou e volto quando quero, distraída, me transportando para as lembranças, em que conversamos e vemos nossas cores nos olhos, predominando o vermelho e o azul. Sem ensaio a gente tem um ritmo que deixa a gente parecido. E a gente se parece, porque a gente se gosta e a gente gosta da ausência para provar que sabemos nos encontrar, mas hoje não queremos nos ver e tudo bem.

               Gosto de esbarrar em amigos e dizer: a gente se vê! É descompromissado, é livre, a gente se vê, a gente se esbarra, os caminhos se encontram e por acaso a gente tropeça em nossos encontros, improvisando para não cair com a cara no chão.

               Eu vivo sem você, mas nunca vivi sem amor! Vivo amando a sua ausência inacabada, esperando o “oi” depois do “até mais”, mas agradeço por me deixar viver em um mundo em que a saudade do que nunca vivi transforma-se em sonhos. Os sonhos embaixo do meu edredom esperam pelo dia em que seremos ausentes do mundo, para vivermos sozinhos em nossos corpos. Começamos a ouvir uma nova banda.

domingo, 9 de março de 2014

AMOR MODERNO


            Eu digo que não gosto de você, só para que não me achem uma romântica démodé. Eu faço de conta que te stalkear é menos importante que a página sobre cachorros para adoção no Facebook. Assim ninguém acha que eu corto os cabelos até perder a cabeça por você. Eu uso referências musicais para ficar engraçado, mas eu escrevo cantando aos prantos. Eu faço piada quando você me diz que não quer me ver, mas eu passo dias sem conseguir me olhar no espelho, vestindo o mesmo pijama e com o rosto sem lavar. Eu gosto quando você me dá boa noite e eu digo que vou sair com os amigos, porque a noite é uma criança, mas como uma criança eu vou dormir cedo pensando no emoticon que você enviou junto com os beijos no WhatsApp.
            Eu queria dizer que não sou sarcástica ao te enviar vários ‘Eu te Amo’ quando estou no trabalho, no parque, no bar, no cinema, no banheiro daquele restaurante naquela viagem que fiz sem você. Porque eu te amo mesmo e o HAHAHA depois da frase é só para não parecer piegas.
            Mas se me perguntarem se eu gosto de você eu digo que é só intriga da internet e que eu nem queria ter postado aquela foto com nossas mãos formando um coração e que a legenda de 15 linhas era para terminar com um SQN, mas talvez eu tenha esquecido de terminar assim, só que não tem nada a ver.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

UM GOLE DE VERDADE

 

            História de bêbado é chata ou engraçada. Bêbado não tem meio termo, ele dorme no botequim ou quebra tudo de uma vez, tem aquele que quebra e dorme. A vida de um bêbado é empolgante, porque é uma rotina impulsiva, todo mundo faz de conta que não quer ser impulsivo, mas todo mundo fica bêbado.

           Bebi uma garrafa. Já dá para ser impulsiva? Eu nunca sei a hora certa e às vezes começo a ouvir minha vontade no primeiro copo. Lá vem a repressão: você não está tão bêbada para fazer isso. Eu não preciso estar sempre bêbada para quebrar coisas ou dormir na mesa do bar.

            Sempre tem alguém que manda você parar de beber e também tem alguém que manda você desligar o celular. O celular é uma bomba na mão de um bêbado. Ele liga chorando, brigando, implorando, cobrando a divida do irmão e a atenção do ex. Você tem que parar de beber ou desligar o celular.

            É quando surge o discurso de bêbado rejeitado. É quando ele se lembra do primeiro beijo e até da mãe o mandando comer brócolis. O brócolis o faz correr para o bidê. E o primeiro beijo também. O fígado sente as dores do coração e do arrependimento do dia seguinte.

           Estou na quinta garrafa. Já posso dizer que peguei o seu melhor amigo quando você chegou atrasado à festa da Julia? Eu já estava bêbada, eu só bebi bastante porque você se atrasou, mas não foi sua culpa, você sempre esteve atrasado, lembra quando te amei adiantado?

            Já bebemos bastante, amanhã podemos dizer que não nos lembramos de nada por causa da cachaça. Vamos de saideira?


(O traído começa a quebrar garrafas)
 
Alguém lembra de um poema:
 
no dia seguinte ao big bang
uma dor de cabeça titânica
tomou conta dos astros que
então perceberam que era
preciso inventar algo para
prosseguir nessa luta: foi aí
que surgiram os primeiros
analgésicos que obviamente
não deram conta da ressaca
universal como tampouco
deram certo as bolsas de água
quente o omelete o banho frio
a glicose na veia e todos tiveram
que admitir que a única saída
era mesmo continuar bebendo
(Gregorio Duviviver)

sábado, 8 de fevereiro de 2014

O LANÇAMENTO DE UMA FARSA QUE A GENTE FALSIFICA DE FICÇÃO

 
 
           Esse é o lançamento do meu livro. Espero que seja o primeiro e não o único. Eu queria que você estivesse no lançamento do segundo, já que esse aqui você talvez nem saiba que eu escrevi, por isso vou ter que escrever o segundo. Não pude te mandar convite para o evento no facebook, eu não tenho você na minha lista de amigos. Tenho o seu número na agenda do celular, mas não posso te ligar há um tempo, desde que comecei a escrever sobre nós. Ainda acho valida a teoria de que escrevemos melhor quando estamos tristes.
 
            Eu torço para que algum amigo em comum comente sobre a minha estreia literária e sobre essa sessão de autógrafos. É bom assinar a folha de rosto, acho que é melhor do que assinar a papelada do casamento. Nunca senti necessidade de tornar uma união burocrática e sempre tive vontade de deixar meu nome em alguma lista de gente legal.
 
            Até que tenho um bom tanto de amigos, sempre tive duvidas se estariam aqui. Tem que ser muito amigo para comparecer a um lançamento de livro desconhecido e ainda pagar por isso. Deve ser um pouco chato ser amigo de gente metida a artista, tem que consumir e elogiar. Deixo claro que aceito criticas negativas, mas peço que comprem esses exemplares, essa pilha de livros tem que sair daqui, não vou aguentar carregar isso até em casa.
 
             Puta merda, você veio! Não pediu uma dedicatória, ainda bem, minha letra trêmula seria uma vergonha. Vergonha maior vai ser você ler essa história. Onde eu estava com a cabeça quando batalhei a publicação? E olha que foi uma correria para algum editor se interessar, realmente, não devia ser bom. Talvez você não seja uma boa história. Agora eu te idealizei nessas páginas e até parece que foi bom, talvez tenha sido, não tenho certezas.
 
 
             Jornal Diário:
            Autora comenta sobre o livro de estreia: “Isento-me de qualquer experiência pessoal na criação da obra. Minha inspiração é a ficção. Realidade deixo para os noticiários televisivos.”

domingo, 26 de janeiro de 2014

DE CORAÇÃO


            Uma vez li a história de uma menina que não queria ter coração. Ela tomava muita limonada sem açúcar e dizia que era para azedar o amor. Gostava de bebidas fortes, o álcool era um pretexto para ser lúdica.

            Já não tinha um coração bom. Havia sido mastigado, triturado. Era um bagaço. 

            Quando alguém estava apaixonado ela era dura, dizia que era bobagem e falava em assassinato. Deixaram de ter paciência, ninguém mais queria experimentar o gosto amargo de suas conversas. Aos poucos suas festas ficaram vazias e seu corpo imergiu.

            Não tinha quem amar e seu coração ficou naquele morre não morre. Fazia de conta que estava bem, mas as olheiras entregavam a sua escuridão.

            Na fila do supermercado alguém inicia uma conversa, daquelas inúteis de como o caixa é lento e está muito calor, mas o frio também é ruim. Vestindo pijama e comprando vodca essa pessoa começa um desabafo. Amava sempre os desalmados, gente que trocou o coração por entretenimento. Era difícil. Mesmo assim continuava amando, mesmo com a pulsação cansada queria que o coração continuasse a bater. Estava viva e amava isso.      

            A menina ouviu atenta e agora sentia um vento fresco, no buraco do coração, saiu da fila, deixou os limões e o pote de pepino azedo e foi procurar a prateleira com chocolates.