"A NOSSA LINGUAGEM CRIA O MUNDO."

sexta-feira, 29 de março de 2013

UMA NOITE NA LUA (PENSANDO NO GREGORIO)


            Com texto de João Falcão, Uma Noite na Lua, teve a sua primeira montagem em 1998. Agora é a vez de Gregório Duvivier interpretar o monólogo antes interpretado por Marco Nanini.
            Diferente da primeira montagem, que contava com cenário e efeitos especiais, agora há apenas um homem no palco (mas não é qualquer homem no palco, é Gregório Duvivier) e uma iluminação que acompanha o personagem em seus devaneios. Acompanhamos um fluxo de pensamentos, que passeiam pela angústia do amor que se foi e a vontade de escrever uma peça ‘para impressionar a amada que já não o ama’.
            O ator que vem ganhando prêmios por sua atuação, que emociona e diverte na sintonia certa, dá vida tanto ao seu personagem quanto a Berenice, que se torna teoria e prática na vida desse homem, que pensa Berenice todo o tempo em que pensa em pensar sobre a peça, que nunca sai da premissa metalinguística, um homem, em cima do palco, pensando.
            Preocupado com o que Berenice vai achar da peça, se ela vai encontrar um sentido, se a peça não terá sentido, mas que ela dirá que é boa, com medo de não ter entendido o sentido e sentir-se burra, se ela vai perceber que a peça fala sobre ela, se ele irá chama-la de presunçosa por isso ou apenas se ele conseguirá escrever a peça em uma noite, os pensamentos do personagem são dominados por Berenice que não deixa que ele siga em frente ou, se vocês preferirem, escreva a peça.
            Uma Noite na Lua, trata da influência dos nossos sentimentos no processo criativo, de modo saudável ou patológico todo mundo amou/ama e quer expressar suas angustias por meio de uma sms, um cartão, um poema, uma música e por que não uma peça de teatro? O personagem quer escrever uma peça para Berenice, que ela goste e perceba como vale a pena voltar, pois ele é digno do seu amor.
            Enfim, vale a pena cada segundo de Gregório pensando em cima do palco.

domingo, 24 de março de 2013

O CÉU DE SUELY



            O curta-metragem “Rifa-me” (http://vimeo.com/17199696), de Karim Aïnouz, baseado em uma notícia de jornal, foi o ponta pé inicial para a produção de “O Céu de Suely” (2006).
             Somos introduzidos na história do longa, por um monólogo apaixonado, na sequencia uma cena de amor embalada pela música “Tudo que eu tenho”, interpretada por Diana, que diz:
 
 
 “Que bom seria ter seu amor outra vez
 Você me fez sonhar
 Trouxe a fé que eu perdi
 E nem eu mesma sei porque
 Eu só quero amar você
Tudo que eu tenho meu bem é você
Sem seu carinho eu não sei viver
Tudo que eu tenho meu bem é você
Volte logo meu amor.” 
 

(Se tudo que ela tinha era ele, quando ele se foi ela deixou de ser, para tornar-se a espera do que um dia foi.)

            Em seguida, acompanhamos, Hermila (Suely), em um ônibus de viagem, voltando para Iguatu, pequena cidade do interior do Ceará. Com uma criança no colo, ela volta para a terra natal à espera de alguém que nunca chega.
            Segundo o diretor, quem saiu do Nordeste está voltando para casa. Hermila representa a volta do emigrante, que nesse processo perde-se de suas raízes. A mecha no cabelo, que é sempre notada pelos moradores da cidade, compõe a mudança estabelecida em sua partida.
            A protagonista sente-se sufocada e arquiteta um plano para sair do lugar que nada representa. Ela só quer ir para o lugar mais longe que puder. Esse é o típico sentimento de quem quer ficar longe dos próprios sentimentos e acaba culpando a geografia pelas lembranças doloridas.
            Quando Hermila deixa a cidade (e o filho, pois não pode leva-lo para lugar nenhum) passa pela placa “Aqui começa a saudade de Iguatu”, percebemos que mesmo sentindo a dor por deixar algo para trás, é preciso seguir em frente. Não adianta prender-se as coisas que nos pertencem se não pertencemos a elas. Isso explica o fato dela não se apegar ao amor de João, o amor dele a pertencia, mas o amor de Hermila nunca pertenceria a João.
            A locação de “O Céu de Suely” traduz as cenas em ação. O mais interessante é que a personagem de Hermila não diz e sim inclui o que sente. O que enriquece o filme e nos leva a comoção de uma personagem perdida em meio ao calor do Ceará e ao frio do coração.

FICHA TÉCNICA
 

O Céu de Suely
Brasil, 2006
Drama - 90 min.
Direção: Karim Aïnouz
Roteiro: Karim Aïnouz, Felipe
Bragança, Maurício Zacharias
http://vimeo.com/17199696

quinta-feira, 21 de março de 2013

O SOM AO REDOR


 
            O Som ao Redor, dirigido e roteirizado por Kleber Mendonça Filho, retrata Recife na percepção urbana. Apesar de termos pouco acesso as produções de Recife, sabemos que, involuntariamente, elas saíram dos espaços rurais e passaram a representar o caos que se instalou com o crescimento arquitetônico da cidade.
            O filme, gravado em tela larga, é uma critica a classe média e retrata as invasões de espaços e as fronteiras estabelecidas com o exagero de grades que separam todos de tudo. O plano do menino com a bola que ultrapassa uma fronteira estabelece essas linhas divisórias.
            O tio de João que permanece com a casa sem estruturas gigantescas de grades, em meio aos prédios de classe média, que mais se parecem com presídios do que com lares, nos indica uma nostalgia do que era a cidade antes do caos social arquitetônico, explicitando-se quando o personagem olha para a rua e resgata a memória do que um dia aquele espaço já foi.
            Existem duas cenas de sonhos: a primeira é percebida pelos mais atentos, que é o sonho de João visitando o antigo engenho da família com a namorada; e a segunda é o sonho da filha de Bia que explicita o pesadelo da classe média: ter a casa invadida por pobres.
            Já que adentramos a casa de Bia, podemos comentar um pouco sobre a única personagem que não está ligada a família de Francisco (o dono da rua). Mais uma invasão de espaço é a personagem que sai do curta-metragem “Eletrodoméstica”, que levou nove anos para ganhar um edital, e invade o “O Som ao Redor”. O curta critica a loucura consumista que se iniciou nos anos 90, as pessoas passam a ter dinheiro para comprar e só consomem a mesma coisa. As políticas públicas trabalham com a ideia de que a vida mecânica faz com que a vida funcione. A Bia do longa-metragem é filmada como um passarinho preso na gaiola, a câmera esta fora e a observamos dentro das grades. No curta-metragem, as grades já haviam surgido dizendo: “eu não confio em você”.    
            A imagem final em que a família de Bia explode bombinhas para protegerem-se do cachorro e eles mesmos acabam por ficarem assustados com a explosão, simboliza a atitude da classe média que vive a cerca do medo de ter medo.
            Enfim, os engenhos de Recife vivem uma versão urbana, em um espaço caótico, entre patrões e empregados que convivem em uma ordem de faz de conta: fazemos de conta que convivemos em harmonia, mas cada um em seu mundo socialmente organizado e humanamente confrontado.

- Material produzido durante o Workshop com Kleber Mendonça Filho - Ficção Viva II

FICHA TÉCNICA

 
Diretor: Kleber Mendonça Filho
Gênero: Drama
Produção: Brasil
Distribuição: Vitrine Filmes
Classificação Indicativa: 16 anos
Duração: 131 min.

domingo, 10 de março de 2013

PERSONIFICAÇÕES PERDIDAS EM RASCUNHOS


            Personagem é personificação, ou seja, a condensação de conceitos (valores) de uma época. A narrativa pós-moderna é fragmentada (cifrada) e ambígua, as histórias sofrem uma incompletude (porque realmente não sabemos como nossas histórias terminam) e os personagens geralmente encontram-se perdidos.
           Pressupondo que a alegoria encara a destruição, em um discurso cifrado (implícito), por meio de inferências mediadas pelos referentes, os personagens são alegorias de um comportamento paradigmático, que causa conflitos de interpretações ligados ao poder.
            O personagem contemporâneo sofre ao relacionar-se com a alteridade (com o outro), justamente por não saber a que ordem paradigmática pertence, em uma sociedade que rompe com a história ao seu redor e não sabe criar a própria.
            Podemos citar dois filmes em que os personagens perambulam entre histórias que criam e histórias que vivem, e que se entrelaçam. Em "Histórias de Amor duram apenas 90 minutos” e “Nome Próprio”, os personagens Zeca e Camila, respectivamente, sofrem por não conseguirem escrever um livro. A criação vem da experiência e o conflito estabelece-se na dificuldade em reconhecer-se no mundo. Na cena em que Zeca caminha pelas ruas, fazendo anotações sobre o que vê, ele é mero observador, sem inserir-se na experiência social.  
            Os personagens procuram a vida que gostariam de viver nas páginas dos livros, Zeca olha em volta e vê milhares de histórias, toda vez que começa a escrever fala dele, mas acredita que a sua vida é  tediosa demais para alguém ter interesse em lê-la.
            Camila escreve sobre suas frustrações amorosas, para isso tem que sentir o sofrimento ocasionado pelo amor rompido, desiludido e patológico. Sem perceber cria um circulo vicioso, onde deve apaixonar-se, viver intensamente o prazer e terminar sofrendo pelo o que acabou.
            Existe um tipo de individuo que não consegue ser feliz e sempre encontra algo errado para sofrer e/ou fazer sofrer. O conflito da história de Zeca é envolver suas paixões em seus dramas, o de Camila é ser a sofredora solitária, aquela que abandonam e que tenta chamar a atenção por meio do que escreve no blog.
            Zeca e Camila, na tentativa de criarem personagens, tornam-se a personificação pós-moderna. E quem não é personagem da própria história? Afinal, sem controlarmos os desfechos, somos escritores de nossas vidas, vivendo em uma sociedade perdida, que abriga as confusões e prazeres de autores e atores que se dissolvem em rascunhos autodestrutivos.   

domingo, 3 de março de 2013

OS FAMOSOS E OS DUENDES DA MORTE

  
Uma geração que sentou em frente ao computador e nunca mais conseguiu levantar-se, simplesmente, porque nunca encontrou um motivo.
Os Famosos e os Duendes da Morte, primeiro longa-metragem do diretor Esmir Filho, retrata um protagonista sufocado pela pequena cidade, vivendo um conflito entre tradição e tradução, angustiado pelos sentimentos lançados por uma ponte, o elo entre dois espaços separados, geralmente simbolizando a comunicação e união entre o céu e a terra, na narrativa em questão, a vida e a morte.
Em frente ao computador, o protagonista vive os seus sonhos em segredo. Vive de memórias arquivadas, alimentando-se de vídeos antigos postados no blog de Jingle Jangle. Quando alguém vai embora deixa a sua arte, seja postada na internet, alguma ideia boba que um dia a gente decorou ou o amor no peito adoecido.
No seu blog, Mr Tamborine Man, ele diz: “Ela não tinha pernas, não precisava de ninguém para ir embora”. Ela não podia sair daquele lugar, mas deu o seu jeito para fugir de tudo que aquilo representava.
O jovem também quer sair daquele mundo, deixar as estrelas no teto do seu quarto, para voar e ver o céu de verdade. Às vezes é necessário criar novas raízes, e para isso E.F (alguém com quem conversa no bate-papo) o convida para o show de Bob Dylan, sugerindo que “longe é o lugar onde a gente pode viver de verdade”. Com essa proposição o personagem traça como meta sua ida ao show.
Completamente deslocado sem que ninguém perceba, evidenciado explicitamente no jogo de futebol na escola, o garoto torna-se invisível na neblina da cidade, assim como muitos outros moradores da região, que em meio aos sentimentos anônimos escolhem o caminho da ponte.
É nesse clima de melancolia que o protagonista perdido em sua existência, prossegue com a vontade de que tudo acabe. O jovem sabe o que é perder pessoas, mas nunca perdeu seus sentimentos, o que lhe deixou perdido em um mundo indiferente ao que nele habita. A cidade que já perdera muitos habitantes, segue em frente em meio as festas que exaltam as tradições (passado), esquecendo-se do vazio que se tornou, o que existiu, simplesmente, não existe mais. Cada um escolhe como seguir em frente, cada um fingindo ao seu modo.
“Ele ficava andando no meio do mato, no meio da plantação. Todo mundo falava que ele era louco, eu também. Mas hoje eu entendo ele. Ele encontrou uma saída.”
 
FICHA TÉCNICA

                                                   
Direção: Esmir Filho
Roteiro: Esmir Filho e Ismael Caneppele
Elenco: Henrique Larré, Ismael Caneppele, Tuane Eggers, Samuel Reginatto, Áurea Baptista
Brasil - 2009 - 101 - Drama