O Som ao Redor, dirigido e
roteirizado por Kleber Mendonça Filho, retrata Recife na percepção urbana.
Apesar de termos pouco acesso as produções de Recife, sabemos que,
involuntariamente, elas saíram dos espaços rurais e passaram a
representar o caos que se instalou com o crescimento arquitetônico da cidade.
O filme, gravado em tela larga, é
uma critica a classe média e retrata as invasões de espaços e as fronteiras
estabelecidas com o exagero de grades que separam todos de tudo. O plano do
menino com a bola que ultrapassa uma fronteira estabelece essas linhas
divisórias.
O tio de João que permanece com a
casa sem estruturas gigantescas de grades, em meio aos prédios de classe média, que mais se parecem com
presídios do que com lares, nos indica uma nostalgia do que era a cidade antes
do caos social arquitetônico, explicitando-se quando o personagem olha para a
rua e resgata a memória do que um dia aquele espaço já foi.
Existem duas cenas de sonhos: a
primeira é percebida pelos mais atentos, que é o sonho de João visitando o antigo
engenho da família com a namorada; e a segunda é o sonho da filha de Bia que
explicita o pesadelo da classe média: ter a casa invadida por pobres.
Já que adentramos a casa de Bia,
podemos comentar um pouco sobre a única personagem que não está ligada a
família de Francisco (o dono da rua). Mais uma invasão de espaço é a personagem
que sai do curta-metragem “Eletrodoméstica”, que levou nove anos para ganhar um
edital, e invade o “O Som ao Redor”. O curta critica a loucura consumista que
se iniciou nos anos 90, as pessoas passam a ter dinheiro para comprar e só
consomem a mesma coisa. As políticas públicas trabalham com a ideia de que a
vida mecânica faz com que a vida funcione. A Bia do longa-metragem é filmada
como um passarinho preso na gaiola, a câmera esta fora e a observamos dentro
das grades. No curta-metragem, as grades já haviam surgido dizendo: “eu não
confio em você”.
A imagem final em que a família de
Bia explode bombinhas para protegerem-se do cachorro e eles mesmos acabam por
ficarem assustados com a explosão, simboliza a atitude da classe média que vive
a cerca do medo de ter medo.
Enfim, os engenhos de Recife vivem
uma versão urbana, em um espaço caótico, entre patrões e empregados que
convivem em uma ordem de faz de conta: fazemos de conta que convivemos em
harmonia, mas cada um em seu mundo socialmente organizado e humanamente confrontado.
- Material produzido durante o Workshop com Kleber
Mendonça Filho - Ficção Viva II
FICHA TÉCNICA
Diretor: Kleber
Mendonça Filho
Gênero: DramaProdução: Brasil
Distribuição: Vitrine Filmes
Classificação Indicativa: 16 anos
Duração: 131 min.
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