"A NOSSA LINGUAGEM CRIA O MUNDO."

domingo, 17 de junho de 2012

CARNAGE




            Baseado na peça Le ‘Dieu du Carnage’, de Yasmina Reza, ‘Carnage’, dirigido por Roman Polanski, surpreende e prende o observador. Dois casais em um apartamento discutindo sobre uma briga entre seus filhos. Como produzir um roteiro espetacular com uma locação e quatro personagens? Yasmina Reza e Roman Polanski nos dão a resposta.
            O filme inicia-se com os personagens mascarados, personas diferentes, mas amigáveis. Logo, percebemos que as divergências ideológicas começam a incomodar e o discurso passa a ser sutilmente irônico.
            Com a cena do vômito a sujeira é jogada no ventilador e as neuroses já não são mais maquiadas pela política da boa vizinhança. Daí, as neuroses manifestam com maior intensidade até chegar ao ponto da decadência de todos os personagens. Eles perdem os mecanismos de defesa, já alcoolizados, desabafam, agridem e passeiam entre o masoquismo e o sadismo.
            A sala do apartamento é cenário para as crises existências, angústias, insatisfações, egocentrismo e histerismo dos personagens. O cômodo que no inicio surge todo organizado vai degradando-se junto com as personas.
            De modo muito inteligente a história não se torna cansativa, já que o celular de Alan que não para de tocar, sutilmente alivia a tensão da narrativa, assim como o casal que ameaça ir embora várias vezes e a vontade de Nancy em vomitar. Recursos que interagem com a narrativa e não estão ali por acaso, só para ficar divertido.  
            Carnage narra uma tragédia, mas que vista de longe (por nós), facilmente passa para o tom cômico de forma inteligente e sem o nítido desejo de ser engraçado.

FICHA TÉCNICA


Direção: Roman Polanski

Roteiro: Yasmina Reza e Roman Polanski

Elenco: Jodie Foster, Kate Winslet, Christoph Waltz, John C. Reilly

França/Alemanha/Polônia/Espanha , 2011 - 80 minutos

Comédia / Drama

sexta-feira, 8 de junho de 2012

TRISTE ALEGRIA


O relógio marca o tempo, o tempo que a sociedade nos deu. O tempo que passa, o tempo que desperdiçamos, o tempo em que queríamos voltar, o tempo que gostaríamos de esquecer.
Tudo passa. Letícia pensava nisso a todo instante. Quando estava feliz, ficava triste, pois sabia que iria passar. Quando estava triste, ficava triste também. Ela não seguia uma lógica, isso é certo. Mas a verdade era dela, sem muita coerência.
Certa vez sua mãe disse que escolheu seu nome porque vinha do latim e significava alegria. Ela não ficou alegre em saber disso, achou incoerente, já que não sabia o que significava alegria. Uma palavra? Um instante? Uma lembrança ou uma esperança? 
Uma vez ela leu: Vende-se: sapatos de bebê, nunca usados. Tratava-se de um conto de Ernest Hemingway. Um conflito. Não era simples como parecia. Porque vendiam sapatinhos de bebê? Ninguém sabe. O bebê teria morrido antes de nascer e por isso seus sapatinhos nunca foram usados e estavam à venda?  Para que complicar? Os sapatinhos eram novos e estavam à venda em qualquer uma dessas lojas de roupas infantis.
Letícia tinha o hábito de complicar. Dessa vez ela tinha complicado bastante a sua vida. Onde estava o problema? No pior lugar possível, na sua cabeça, de lá ele não saia. Letícia não se importava em estar em uma sala escura, úmida, com fome e febre, a pior sensação era causada pelas suas lembranças.
Ela poderia ter sido feliz.
- Não seja estúpida, depois de tudo você ainda pensa que a felicidade poderia lhe pertencer? Sempre uma iludida, uma sonhadora idiota. Depois de tudo ainda consegue pensar nisso? Pensou tanto que acabou aqui em busca da tal felicidade que tanto falavam. 
Ela poderia ter encontrado um novo caminho.
- Não, você estava muito focada para pensar em seguir em frente. Você só queria permanecer parada no tempo, no tempo em que pela primeira vez entendeu o significado do seu nome.
Ela poderia ter fugido do seu destino.
- Se iludindo de novo, Letícia? Não foi destino, você planejou tudo, você contrariou a lógica. Ninguém acreditava que você conseguiria. Você conquistou e se sentiu orgulhosa. O tempo passou. Agora você está aqui, no tempo que não passa, nos dias que não mudam, sem a vida que não lhe bastou.

Abre-se a porta da cela, o guarda interrompe a conversa que Letícia tem consigo.

O julgamento começa:

 “Sou Letícia, 22 anos, solteira, ensino superior completo. Meu crime? Matei o meu amor.”

PARADOXO


Era uma manhã de domingo, ela sempre achou que os domingos eram melancólicos. Às vezes ela tinha dúvidas, eles eram realmente tristes ou era ela que os tornavam deprimidos. Ela preferiu culpar o sétimo dia da semana. Ou seria o primeiro? Sempre a dúvida, sempre duas opções.
O mau humor era inevitável. O dia não havia nem começado, ela tinha apenas ido ao banheiro e agora estava tomando o seu café. A primeira palavra que se dirigiu a ela foi a da sua mãe, que logo percebeu que a filha não queria papo.
Porque ela iria querer falar de alguma coisa banal, sem valor para a sua vida? Talvez para amenizar a dor da falta do que tinha valor. Valor? Uma palavra tão capitalista. Qual é o valor que pagamos para viver? Não, é nisso que ela estava pensando. Talvez fosse. Pagamos o valor da saudade, o valor da amizade, daqueles que ficaram, daqueles que foram, o valor da paciência e da impaciência, o valor do amor e do ódio, talvez não seja ódio, apenas raiva. O valor da dicotomia. O valor da dúvida e da escolha. O preço que pagamos por escolhermos errado sem ao menos termos a possibilidade de sabermos se a outra opção seria a correta. Por isso, passamos a vida lamentando, por não termos conhecido a outra opção. Passamos a vida lamentando por algo que não conhecemos, mas idealizamos, sonhamos e nos iludimos.
Desiludida ela passa a manhã em frente ao seu computador, ela observa a vida virtual de todos. Personas. Alguns não são bons nisso, realmente, não são. Outros enganam direitinho, tornam-se interessantes, extremamente, interessantes.
Ela se cansa, percebe que se permanecer ali sentada, pensando em tudo e em todos poderia não suportar a dor, os pensamentos, o sofrimento. Arruma-se, ainda tem forças para sair dignamente na rua.
Ela caminha, tenta abafar os pensamentos com o som do MP4 no volume máximo que seus ouvidos podem suportar, tenta se concentrar na paisagem da cidade, sempre achou a arquitetura fascinante, tenta sentir a brisa, que sempre a acalmou. Em vão. O mal é maior. O mal está na inquietude da alma. Ela havia perdido a paz interior. Ou lhe teriam roubado? Roubado para que? Para deixá-la vagando sem destino, sem esperanças, sem ninguém para encontrar no meio do caminho?

Sim, ela estava apaixonada.