O relógio marca o tempo, o tempo que a
sociedade nos deu. O tempo que passa, o tempo que desperdiçamos, o tempo em que
queríamos voltar, o tempo que gostaríamos de esquecer.
Tudo passa. Letícia pensava nisso a todo
instante. Quando estava feliz, ficava triste, pois sabia que iria passar.
Quando estava triste, ficava triste também. Ela não seguia uma lógica, isso é
certo. Mas a verdade era dela, sem muita coerência.
Certa vez sua mãe disse que escolheu seu
nome porque vinha do latim e significava alegria. Ela não ficou alegre em saber
disso, achou incoerente, já que não sabia o que significava alegria. Uma
palavra? Um instante? Uma lembrança ou uma esperança?
Uma vez ela leu: Vende-se: sapatos de
bebê, nunca usados. Tratava-se de um conto de Ernest Hemingway. Um conflito. Não
era simples como parecia. Porque vendiam sapatinhos de bebê? Ninguém sabe. O
bebê teria morrido antes de nascer e por isso seus sapatinhos nunca foram
usados e estavam à venda? Para que
complicar? Os sapatinhos eram novos e estavam à venda em qualquer uma dessas
lojas de roupas infantis.
Letícia tinha o hábito de complicar.
Dessa vez ela tinha complicado bastante a sua vida. Onde estava o problema? No
pior lugar possível, na sua cabeça, de lá ele não saia. Letícia não se
importava em estar em uma sala escura, úmida, com fome e febre, a pior sensação
era causada pelas suas lembranças.
Ela poderia ter sido feliz.
- Não seja estúpida, depois de tudo você
ainda pensa que a felicidade poderia lhe pertencer? Sempre uma iludida, uma
sonhadora idiota. Depois de tudo ainda consegue pensar nisso? Pensou tanto que
acabou aqui em busca da tal felicidade que tanto falavam.
Ela poderia ter encontrado um novo caminho.
- Não, você estava muito focada para
pensar em seguir em frente. Você só queria permanecer parada no tempo, no tempo
em que pela primeira vez entendeu o significado do seu nome.
Ela poderia ter fugido do seu destino.
- Se iludindo de novo, Letícia? Não foi
destino, você planejou tudo, você contrariou a lógica. Ninguém acreditava que
você conseguiria. Você conquistou e se sentiu orgulhosa. O tempo passou. Agora
você está aqui, no tempo que não passa, nos dias que não mudam, sem a vida que
não lhe bastou.
Abre-se a porta da cela, o guarda
interrompe a conversa que Letícia tem consigo.
O julgamento começa:
“Sou Letícia, 22 anos, solteira, ensino
superior completo. Meu crime? Matei o meu amor.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário