"A NOSSA LINGUAGEM CRIA O MUNDO."

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O PALHAÇO


            O Palhaço, filme brasileiro de 2011, dirigido, co-escrito e estrelado por Selton Mello, inicia seus diálogos falando do calor, algo que nos proporciona desconforto. A sugestão é que Benjamim, o palhaço, compre um ventilador, indicando que ele precisa ventilar a sua dor. O filme é repleto de imagens semióticas, porém, nesse momento faremos uma análise apenas das sensações mais intensas que Benjamim compartilha com a plateia, enquadrado no centro da tela, em tomadas que reforçam a ideia de isolamento, em ritmo lento, planos longos, cores delicadas, contrastando-se com luzes mais acesas, cores vivas e ritmo acelerado.
            Benjamim trabalha no circo do pai (o palhaço Puro Sangue) sua função é fazer as pessoas rirem, mas ele mesmo não encontra motivos por ali para que o sorriso o pertença. Os lugares que ambientam as histórias sempre nos revelam muito sobre o personagem, levando o espectador a reconhecer a que mundo o personagem diz respeito. Porém, o lugar em que Benjamim vive é simplesmente cenário, revela apenas o seu deslugar, a sua inquietação e insatisfação com o seu mundo, ou seja, consigo mesmo.
            O personagem é a personificação da melancolia. No picadeiro ou longe dele Benjamim encontra-se em transe, sem interação com as vidas que existem em meio ao movimento do circo. Pangaré transita pelas cidades por onde o circo passa, mas não vive em nenhum lugar.
            Muitas pessoas passam a vida procurando o seu lugar, mas enquanto o mundo não pertencer a si, a sensação de deslocamento, do não existir de fato e apenas habitar ambientes desconfortáveis em que nada é (e faz) sentido, o individuo não pertencerá ao mundo.
            Benjamim não tem documento de identidade e carrega a sua certidão de nascimento como única prova de sua existência social. Ele nasceu, mas não criou a sua identidade no mundo. Seguiu o caminho previsto. E quem seria Benjamim? Ele é ou se tornou Pangaré?
            Apaixonar-se é sempre um bom impulso para mudanças. O palhaço encanta-se por uma moça que passa por ali. Não sabemos a que lugar ela pertence. Benjamim, vai em busca de sua identidade com o pretexto de encontrar a garota. Ele quer encontrar o sentido da vida, o amor. Seria o amor por uma mulher ou o amor próprio? Deixando Pangaré para trás, Benjamim inicia a busca pela identidade.
            O novo lugar não o sustenta. A sustentação é outro elemento que o personagem procura, ele vive em busca de um sutiã para a funcionária do circo, que semioticamente representa o sustento que falta na vida do palhaço. Ele não encontra apoio.
            Longe do circo ele não reconhece o seu mundo e acaba voltando, agora com um documento de identidade e um ventilador. Ele saiu, ventilou e voltou reconhecendo-se ao lado do pai e os amigos do circo, com uma nova esperança de pertencer ao lugar que lhe pertence.
            Muitas vezes aceitar que fazemos parte do ambiente é o que nos torna pertencentes do mundo em que vivemos.

“Cada um deve fazer o que sabe fazer. O gato bebe leite. O rato come queijo. E eu toco o meu trabalho.” (Diálogo do personagem de Jackson Antunes com Paulo José.)
FICHA TÉCNICA
 

Diretor: Selton Mello

Elenco: Selton Mello, Paulo José, Teuda Bara, Moacyr Franco, Fabiana Karla, Renato Macedo, Larissa Manoela, Giselle Motta, Tony, Thogun, Hossen Minussi, Alamo Facó, Bruna Chiaradia, Maíra Chasseraux, Cadu Fávero, Erom Cordeiro, Teuda Bara, Giselle Indrid, Jackson Antunes, Jorge Loredo, Tonico Pereira

Produção: Vânia Catani

Roteiro: Selton Mello, Marcelo Vindicatto

Fotografia: Adrian Teijido

Trilha Sonora: Plínio Profeta

Duração: 90 min.

Ano: 2011
 
País: Brasil

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A REPRESENTAÇÃO DA MULHER PÓS-MODERNA EM (500) DIAS COM ELA


Por meio dos estudos culturais, em que as análises iniciam-se desde o pós-colonial às opressões culturais, incluindo os estudos sobre gênero, diferenças, feminismo, machismo, crítica das práticas tradicionais da política, da antropologia, da literatura e da estética, implicações de temas como o culturalismo, as metaficções e o pós-modernismo, vamos discutir a representação da mulher pós-moderna na tela do cinema.

Em (500) Dias com Ela (2009), título em português para (500) Days of Summer, conhecemos os personagens Summer Finn e Tom Hansen, interpretados respectivamente por Zooey Deschanel, atriz e vocalista da banda She & Him, e Joseph Gordon-Levitt, ator e fundador da mídia colaborativa e produtora hitrecord. Ela quebra os paradigmas e ele não sabe o que fazer com a mulher pós-moderna. Mesmo sendo um jovem “independente” e “moderno” ele carrega os conceitos da sociedade em que vive, pois somos produto da nossa história, uma história onde o homem (enquanto gênero) é o ser dominante.

            É comum a predominância do homem como protagonista na narrativa cinematográfica. Mesmo quando a mulher surge no papel principal, dominando as ações, a sua condição permanece a de objeto, tendo um observador masculino que a contempla e a conquista.

Essa ideia de objeto, ainda pode ser tratada a partir do que Laura Mulvey, nos diz no artigo "Prazer visual e cinema narrativo", onde o masculino projeta sua fantasia na figura feminina e a mulher é exibida na tela emitindo um impacto erótico, ou seja, está ali para ser olhada. Ela desempenha o papel de congelar a narrativa, provocando o fascínio do espectador, por meio do prazer que ele sente em usar outra pessoa como objeto de estimulo sexual através do olhar.

Ainda percebendo que a mulher funciona como objeto na tela, sendo observada pelo personagem masculino, pela câmera que a coloca como um corpo de apreciação e pela olhar do espectador, que guiado pelos dois primeiros olhares, aprecia a figura feminina como se ela estive ali para enfeitar a tela, podemos citar o que Cristiane Busato Smith, diz em seu artigo, “O lugar do corpo feminino na comédia musical dos anos cinquenta”:  

“É senso comum afirmar que a indústria do cinema é um locus propício para o voyeurismo masculino. Assim, filmes de gêneros diversos cumprem o importante papel de re-presentar os desejos, os fetiches e as fantasias masculinas, uma vez que a mulher, invariavelmente, figura como objeto.” (p.01)  

 

Summer, a personagem feminina em análise nesse trabalho, é apreciada pela olhar da câmera e do expectador, uma mulher bonita que encanta, mas a tensão é criada pela visão de Tom que não consegue mantê-la em seu olhar. Em muitos momentos ela sai do campo de sua visão, não respondendo as suas expectativas, criando todo o conflito da obra. Assim, (500) Dias com Ela torna-se um divisor de águas, uma comédia que não segue os padrões que estamos acostumamos a ver na tela da sétima arte.

A mulher pós-moderna é sexualmente e financeiramente livre, ela deseja ser feliz com ou sem um parceiro estável. Essa mudança na postura feminina fez com que nas últimas quatro décadas os estudos relacionados ao cinema e gênero sofressem uma expansão nas análises sociológicas, estruturalistas, psicanalíticas e semiológicas. Ana Carolina Escosteguy diz “[...] que a inserção do feminismo nos Estudos Culturais tem relação com sua promessa de intervenção estratégica na política da vida cotidiana.” (1998, p.01)

Logo, a motivação em analisar a relação pós-moderna de Tom e Summer, surge da necessidade em estudar a nova abordagem que se inicia no cinema ao tratar da relação entre gêneros (feminino e masculino).

ESTUDOS CULTURAIS

Ângela Prysthon (2003, p. 135) situa a segunda metade dos anos 50 como impulsionador dos Estudos Culturais. O Centre Contemporany Cultural Studies (Centro de Estudos Culturais Contemporâneos), surgiu na Universidade de Birmingham, em 1964. Stuart Hall, o diretor do CCCS, solidificou os pressupostos fundamentais dos Estudos Culturais, analisando a ação da mídia sobre as manifestações da cultura de massa, ou ainda a análise das estruturas sociais e contexto histórico para a compreensão dessas manifestações midiáticas.

Sobre os estudos culturais e a relação com as mídias, Ana Carolina Escosteguy, pressupõe que os objetos de investigação dos estudos estão cada vez mais diversificados:

“Contudo, no ponto de encontro dessas duas frentes, meios de           comunicação e Estudos Culturais, identifica-se uma       forte inclinação             em refletir sobre o papel dos meios de             comunicação na constituição    de identidades, sendo esta última a principal questão desse campo             de estudos na atualidade.” (ESCOSTEGUY, 2001, p. 167).
 

Márcia Rejane Messa em seu levantamento sobre os diferentes olhares sobre os estudos feministas destacou a pesquisa acerca da televisão, chamando a atenção para a preocupação com a representação da mulher na mídia e os estudos referentes à audiência feminina sobre a atuação das protagonistas de telenovelas (2006, p. 20).

Desse modo, é importante entender, historicamente, o papel da mulher, para que possamos compreender como chegamos a representação de Summer Finn e a percepção de Tom Hansen referente à mulher contemporânea.

A MULHER E A HISTÓRIA

Josenia Antunes Vieira (2004) ajuda-nos a discutir a construção social da identidade feminina, chamando a atenção para o fato de que cada período influência de maneira particular o sujeito na sua forma de pensar e agir.

Na época em que as mulheres usavam espartilhos e homens carregavam espadas, a figura feminina era completamente anulada diante dos direitos civis, sendo considerada incapaz de interagir no campo sociopolítico. A única tarefa que devia ser executada por uma mulher era a de se dedicar ao bom andamento do lar, por meio de uma percepção religiosa.

            Esses fatos foram representados na figura da mulher durante muito tempo na história e ainda não é possível afirmar que tenham sido encerrados, mas talvez amenizados. Até mesmo as mais reprimidas, como as mulçumanas, estão em constante luta por uma nova condição na sociedade, ainda que por questões culturais em passos mais lentos.

            A mulher reprimida e inferiorizada na sociedade é representada nas artes, em um diálogo entre textos, ou seja, uma conversa entre épocas, onde muda a roupagem, mas continuam os mesmos conceitos da sociedade patriarcal.

            Segundo Simone de Beauvoir, a mulher assimila o fato de ser objeto e, através da “não-autenticidade” e da “má-fé”, colabora na fabricação dos estereótipos que embasam a sua “inferioridade”. Os homens concedem a mulher como uma ameaça à vida masculina de transcendência, liberdade e autonomia. Por outro lado, ela é fadada a permanecer na imanência, ou seja, sua vida direciona-se a finalidades especificas: ela se envolve em produzir e cuidar de coisas que são apenas meios, tais como comida, roupa e abrigo. Essas coisas são objetos intermediários entre a vida animal e a existência livre.

            O conceito referente à mulher designado por Beauvoir vêm se transformando e podemos até mesmo ousar em dizer que vêm evoluindo durante épocas.

Nos anos 20, a mulher começa a trabalhar fora de casa. O uso dos eletrodomésticos permite as mulheres mais tempo livre. A “nova mulher”, passa a usar um novo tipo de vestuário: as saias sobem, as cintas descem, livra-se dos espartilhos, corta o cabelo à “garçonete” e usa brilhantina. Exagera na maquiagem e na bijuteria, passa a andar de bicicleta, a dançar tango, a conduzir o automóvel, a fumar e a frequentar piscinas mistas. Esta época faz despontar um novo tipo de mulher solteira - liberta, independente e aventureira - que vai ascender socialmente. A Primeira Guerra contribuiu para as novas oportunidades de emprego. Começam, então, a exigir novas liberdades e recusam o modelo de educação das suas mães e avós. Reivindicam igualdade de oportunidades na educação, de direitos no acesso às profissões e salário nas fábricas.

Na década de 50, o mundo passava por mudanças sociais e culturais gritantes. A Guerra Fria, travada entre os Estados Unidos e a, então, União Soviética ficou marcada pelo início da corrida espacial, uma verdadeira competição pela liderança na exploração do espaço. A ficção científica e todos os temas espaciais passaram a ser associados à modernidade e foram muito usados. Até os carros americanos ganharam um visual inspirado em foguetes. Eles eram grandes, baixos e compridos, além de luxuosos e confortáveis. Os Estados Unidos estavam vivendo um momento de prosperidade e confiança, já que haviam se transformado em fiadores econômicos e políticos do mundo ocidental após a vitória dos aliados na guerra. Isso fez surgir, durante esse período, uma juventude abastada e consumista, que vivia com o conforto que a modernidade lhes oferecia.

A mulher nos anos dourados era vista como símbolo de beleza, tudo era baseado na valorização da aparência, dos penteados, dos vestidos, dos acessórios fazendo aflorar a sexualidade. Dois estilos de beleza feminina marcaram os anos 50, o das ingênuas chiques, encarnado por Grace Kelly e Audrey Hepburn, que se caracterizavam pela naturalidade e jovialidade, e o estilo sensual e fatal, como o das atrizes Rita Hayworth e Ava Gardner, como também o das pin-ups (“garotas penduradas”), com cinturas marcadas e seios fartos. Entretanto, é possível dizer que os dois grandes símbolos de beleza da década de 50 foram Marilyn Monroe e Brigitte Bardot, que eram uma mistura dos dois estilos, a devastadora combinação de ingenuidade e sensualidade.

A tradição e os valores conservadores estavam de volta. As pessoas casavam cedo e tinham filhos. Nesse contexto, a mulher dos anos 50, além de bela e bem cuidada, devia ser boa dona-de-casa, esposa e mãe. Vários aparelhos eletrodomésticos foram criados para ajudá-la nessa tarefa difícil, como o aspirador de pó e a máquina de lavar roupas.

Os gêneros até o período pós-moderno eram bem delimitados e cada um sabia o seu lugar na sociedade, atualmente, os homens passam por uma crise de identidade, já que as mulheres mudaram e muitos não conseguem conviver com as mudanças e exigências femininas. Tom não entende as exigências de Summer, ele quer a todo custo rotular o relacionamento, mesmo tentando se convencer de que consegue viver em um relacionamento descompromissado. Ou seja, enquanto a mulher quer uma relação independente o homem não aceita que ela dispense a “segurança” masculina como critério de felicidade.  

Messa diz que a feminista do século XXI, não exclui o homem da relação, não enxerga o homem como o culpado por todos os seus males. Não é preciso considerar homens e mulheres iguais, as diferenças devem ser aceitas e somadas (2006, p.20).

            Butler cita a afirmação de Beauvoir, que ninguém nasce mulher e sim torna-se mulher. São as re-significações do termo “mulher” que enriquece os estudos a respeito das representações femininas (BUTLER, 2003, p. 58-9). Como ressalta Keyla Negrão:

A mulher que se busca discutir é a que está em trânsito, que tem a capacidade de ocupar esferas sociais diferentes, dotada não só de uma diferença sexual biológica, mas de uma leitura do mundo específica. Busca-se construí-la e entendê-la do seu território de mulher, com potencialidades de narrar suas histórias de dor, de aspirações, de conquistas, de lideranças, de trivialidades, de sexualidades, de enfermidades, de silêncios e vazios, de peleias, enfim, dos manejos de seus afetos. E as narrativas fílmicas têm sido um lugar privilegiado de tensionamentos dos seus vários sentidos [...]. (2003, p. 11-12)

É justamente essa nova mulher apresentada pelo século XXI que iremos analisar por meio de (500) Dias com Ela.

(500) DIAS COM ELA

(500) Dias com Ela (2009), dirigido por Marc Webb, é uma comédia romântica, diferente dos clichês que vemos distribuídos no mercado. O filme inicia com uma narrativa que demonstra como a personalidade de cada protagonista se constituiu. Ilustra a descrença da felicidade cultivada por Tom, influenciada pela triste música pop britânica e a má compreensão de um filme, representando a ação da mídia sobre a sociedade e como a percepção de algo pode formar o individuo. Isso surge novamente no fim da obra, quando Tom tem um surto, afirmando que os cartões, os filmes e a música pop são culpados pelas mentiras, pelos desgostos... Já Summer, desde a separação dos pais passa a se preocupar apenas com o cabelo, como ele é bonito e a facilidade que pode ser cortado sem que sinta nada, uma metáfora do que ela tornou-se, uma mulher que tenta viver o lado bonito da vida sem envolver-se.

Então, em formato de vídeos caseiros, abrem-se dois quadros, mostrando Tom e Summer quando crianças. Nesse momento, percebemos que ambos eram igualmente alegres, sem as ideologias adquiridas com o tempo.

Tom acredita no amor à primeira vista e quando vê Summer tem a certeza de que ela é a mulher certa, aquela presenteada pelo destino. Porém, a garota nem ao menos acredita no amor, afirmando que se trata de fantasia.

O relacionamento inicia por intermédio de Summer que se mostra mais segura e decidida do que Tom, que até então vinha cultivando um sentimento platônico em meio às neuroses testemunhadas pelos amigos.

Após a primeira noite juntos, o jovem sai de casa pela manhã. A cena demonstra muito bem o aumento de autoestima do personagem, desde a música e a movimentação de Tom, até o seu reflexo de estereótipo de galã no vidro de um carro. A cena transforma-se em um musical, que em seguida ganha um elemento de animação, fazendo referencia aos outros gêneros do cinema.

Porém, a diegese logo passa por uma transição, mostrando um Tom deprimido, nos dando o inicio da dicotomia que será o filme, idas e vindas, alegrias e frustrações sentimentais que ocorrem em meio aos 500 dias citados no título.

O jovem romântico é um arquiteto frustrado que não consegue atuar na área, por isso contenta-se com o emprego de escrever cartões. O olhar de arquiteto surge muitas vezes de maneira poética, por exemplo, na cena em que olhamos os prédios de baixo para cima e percebemos a beleza em praticar esse olhar. Depois vemos o lugar predileto de Tom, que é o banco de uma praça com vista para vários prédios, chamando-nos a atenção para que percebamos a beleza arquitetônica, a história, a luz, a criação. Criação esta valorizada quando ele desenha os prédios no braço da amada, dando espaço ao processo criativo.

O arquiteto consegue derrubar a parede na qual Summer se esconde, a parede da distância, do espaço, do casual... “Tom estava no mundo de Summer. Um lugar que poucos foram convidados a entrar. E lá estava ela querendo ele e mais ninguém”, mas será que era suficiente?

Os relacionamentos sem rótulos ganham espaço, levando-nos a refletir sobre qual é o verdadeiro propósito de um relacionamento, será necessário construir um nome para o que simplesmente vivemos? Namoro? O que isso significa? Apenas um conjunto de regras que passamos a cumprir severamente, cobramos e somos cobrados. Uma grande rotina que mais destrói do que faz bem.

A cena do casal no cinema e logo na sequência o jovem sozinho no local, mostra como a vida é mutável, um dia estamos com alguém, o que não significa que amanhã as coisas serão iguais. O que mais chama a atenção é a identificação de Tom com o personagem da tela, justamente o motivo pelo qual assistimos a filmes, lemos livros e analisamos a sociedade, sempre procurando uma identificação com o outro, para que possamos nos sentir menos sozinhos.

Em certo momento o protagonista nos faz o seguinte questionamento: “Já fez isso? Pensa nos momentos que já teve com alguém, repete-os na sua cabeça, várias vezes seguidas. Procura pelos primeiros sinais de problema?” Ele diz que só pode haver duas opções. Ou ela é um ser humano mau, sem sentimentos e miserável, ou é um robô. Mas esquece da terceira opção, talvez ela não o ame o suficiente.

Tom acreditava que suas expectativas iriam se alinhar com a realidade. A crença do personagem é representada quando a tela é dividida em dois quadros, um onde a cena ocorre de acordo com suas expectativas e o outro com o que está acontecendo na realidade. Ao ver que Summer está noiva, suas expectativas são quebradas, ou seja, o quadro desaparece.

Quando o jovem encontra-se no fundo do poço ele é convidado a olhar a relação por outra percepção, relembrar os momentos ruins. Já que uma mesma situação pode ser vista de diversas formas, ou seja, tem uma mesma representação e distintas percepções.

A história de amor pode não ter um final feliz para eles (juntos), mas ambos aprendem um com o outro. Summer descobre que o amor existe, ela só não havia sentido. O jovem percebe que não existe destino e sim coincidência, que como o narrador nos diz, “a maioria dos dias do ano é comum. Eles começam e terminam sem nenhuma memória durável nesse tempo. A maioria dos dias não tem impacto no decorrer da vida”.

E Tom não morre de amor, afinal, depois do verão vem o outono.

500 DIAS COM A MULHER PÓS-MODERNA

O filme com roteiro de Scott Neustadter e Michael H. Weber inicia sua trajetória dizendo em tradução livre:

Nota do autor: A seguinte obra é uma ficção. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas, é pura coincidência. Principalmente você Jenny Beckman. Vadia.

 Também, logo no inicio, o filme deixa claro que quebrará o paradigma das comédias românticas boy meets girl" - "menino conhece menina" e avisa que o filme não contará uma história de amor. Além da representação pós-moderna da mulher, é possível perceber uma descrença do individuo contemporâneo, que quando fala de amor, prefere falar em (des) ilusões. Já que o ato de relacionar-se com o outro tornou-se um paradoxo: comunicação (por meio de tecnologias) e solidão (por meio de tecnologias).

No momento iremos focar na representação pós-moderna da mulher, que puxa o tapete do protagonista, que se vê em território inimigo, sem armas para lutar contra a amada, que trava uma luta contra a relação estável.

Raymundo de Lima diz em seu artigo “A mulher tradicional e a mulher pós-moderna” que tanto os homens tradicionais quanto os modernos inconscientemente se assustam com a mulher contemporânea. É o que ocorre com Tom, que é devorado pela independência de Summer. O personagem formado em arquitetura não atua na área, acredita em um amor convencional e logo deseja uma mulher para compartilhar o “Happy End”. Summer é uma jovem que sai da sua cidade Natal para morar sozinha, está em busca de emoção e sempre consegue o que deseja.

Summer arrisca-se, Tom não. Ele acredita que jamais será feliz, até encontrar “a pessoa certa”. Ela não compartilha dessa crença, ou seja, não responsabiliza o suposto parceiro pela sua felicidade.

Summer quebra todas as regras da menina que se encanta com o seu observador e rende-se ao padrão de relacionamento estabelecido pela sociedade patriarcal, onde espera-se que a mulher esteja “desesperada” por um pedido de namoro.

Quando uma mulher expõe sua falta de vontade em rotular um relacionamento o homem sente-se perdido, pois isso significa que a figura feminina rejeita a sua proteção, ela deixa de ser o “sexo frágil” para ser dona do seu destino, deixando o homem em desconforto.

            E. Ann Kaplan diz que nos filmes hollywoodianos “é negada à mulher uma voz ativa em um discurso e seu desejo está sujeito ao desejo masculino. Em silêncio, elas vivem frustradas, resistem a essa condição, sacrificam as próprias vidas por tal ousadia” (1995, p. 24). 

             Assim, espera-se ver nas telas sempre o final feliz dos protagonistas, que superam as dificuldades para viverem o amor incondicional. O homem deve salvar a “mocinha”, diferente de Summer, que não precisa ser salva por ninguém, ela faz suas escolhas e não precisa de um homem para isso. Quando Tom agride um sujeito em defesa da “namorada” e ela desaprova a atitude, simboliza, justamente, a negação do conceito em que a princesa espera o príncipe resolver tudo, enquanto ela fica na torre aguardando o beijo final.

            O diálogo entre Summer e um colega de trabalho, que pode sintetizar tudo o que falamos, será transcrito na sequência. É necessário que entendamos que Summer (representando a mulher pós-moderna), simplesmente, aprendeu a ser feliz sem um relacionamento, a mulher não precisa mais se apoiar em uma relação e submeter-se a tudo para permanecer nela. A personagem é até mesmo comparada a um homem, pois o pensamento machista acredita que apenas os homens podem viver sem sonhar com a chegada do príncipe no cavalo branco.

            “- Você tem namorado?

            - Não.

            - Porque não?

            - Por que não quero.

            - Ah, eu não acredito.

            - Não acredita que uma mulher curta ser livre e independente?

            - Você é lésbica.

            - Não, eu não sou lésbica. Só não me sinto à vontade sendo namorada de alguém. Não me sinto à vontade sendo qualquer coisa de alguém.

            - Eu não entendo o que está dizendo.

            - É mesmo?

            - Não.

            - Então, eu vou por partes.

            - Por parte.

            - Eu gosto de ser sozinha. Relacionamentos são complicados e machucam. Quem precisa disso? Somos jovens. Moramos em uma das mais belas cidades do mundo. Vamos nos divertir enquanto podemos e guardar as coisas sérias para mais tarde.

            - Minha nossa. Você é um cara.”

            (...)

            Nesse momento Tom entra na conversa defendendo o ato de se apaixonar, sendo comparado, por Summer, ao Jovem Werther. No fim do diálogo quando a personagem diz “Acho que podemos concordar em discordar” chama a atenção para o fato de que somos diferentes sim, vamos respeitar e somar isso, ao invés de colocar as diferenças como obstáculos nas relações (de gêneros).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em (500) Dias com Ela somos levados a refletir sobre as relações sociais entre os gêneros. Como o homem e a mulher se relacionam com as recentes mudanças históricas e como eles devem aprender juntos a conviverem com as transformações sem ferir os sentimentos um do outro, respeitando e se apaixonando com as novidades que cada um tem a oferecer.

Em 2002, Kaplan, observou em entrevista concedida à jornalista Denise Lopes que “há uma hierarquia de discursos nos filmes comerciais, o que faz (pelo menos até recentemente) com que o discurso do homem seja mais valorizado do que o feminino”, porém considerou que “isto está mudando agora, particularmente, por causa do progresso dentro da cultura que os estudos da mulher estão realizando.” (LOPES)

(500) Dias com Ela, é um filme americano que não foi produzido por Hollywood, mas que se destacou no Festival de Sundance, justamente pelo fato de que o público está receptivo ao fato das histórias pós-modernas não seguirem o padrão dos clássicos contos de fadas, onde a princesa passa toda a narrativa esperando pela chegada do príncipe encantado responsável pelo seu “feliz para sempre”.

 

BIBLIOGRAFIA

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2ª ed, 2009.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

ESCOSTEGUY, Ana Carolina. A contribuição do olhar feminista. Intertexto. N. 03. 1998/01. Disponível em: http://www.intexto.ufrgs.br/v1n3/a-v1n3a1.html. Acesso em: 03 de fev. de 2012.

KAPLAN, Ann. A mulher e o cinema.  Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

LIMA, Raymundo de. A mulher tradicional e a mulher pós-moderna. Revista Espaço Acadêmico, nº 89, Outubro de 2008. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/089/89lima.htm. Acesso em: 12 out. 2012.

MESSA, Márcia Rejane. Os Estudos Feministas de Mídia: uma trajetória anglo-americana. Cartografias: Estudos Culturais e Comunicação. 2006. Disponível em http://www.pucrs.br/famecos/pos/cartografias/artigos/marcia_messa.pdf. Acesso em: 26 fev. de 2012.

MULVEY, Laura. Prazer visual e cinema narrativo. In: XAVIER, Ismael (Org.) A experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Graal, Embrafilmes, 1983.

PRYSTHON, Ângela. Estudos Culturais: uma (in) disciplina? Revista Comunicação e Espaço Público, Ano VI, n. 1 e 2. 2003. p. 134 a 141. Disponível em: http://www.unb.br/fac/posgraduacao/revista2003/09_angela.pdf. Acesso em: 9 jun. 2012.

SMITH, Cristiane Busato. O lugar do corpo feminino na comédia musical dos anos cinqüenta.

VIEIRA, Josenia Antunes. “A identidade da mulher na modernidade”. In: MAGALHÃES, Isabel; RAJAGOPALAN, Kanavillil (Orgs.). DELTA. São Paulo, v. 21, Especial, 2004.


FILME: 

(500) DIAS COM ELA - (500) Days of Summer - de Marc Webb, EUA, 2009.