"A NOSSA LINGUAGEM CRIA O MUNDO."

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A METAMORFOSE SENTIMENTAL DE UMA BORBOLETA


Ela era uma lagarta conformada, tinha uma vida divertida e como todas as suas amigas sonhava com o dia em que iria se tornar uma borboleta, com belas asas coloridas, absorvendo o néctar das flores.
O dia chegou e ela ficou fechadinha no casulo, só esperando para que a sua vida ganhasse um tom mais alegre com suas asas batendo para lá e para cá.
Quando saiu do casulo não era a borboleta mais bonita, tinha uma beleza exótica, que ninguém compreendia, suas amigas faziam mais sucesso e logo estavam sendo flertadas.
A borboleta ficou triste e decidiu esperar pelo seu fim, que com sorte aconteceria em duas semanas. Passaram-se as duas semanas e ela estava viva e forte. Algumas das suas amigas haviam falecido e os namorados choravam por suas amadas. Ela continuava sozinha, sem ninguém para chorar quando deixasse o paradoxo, chamado mundo.
Então, encontrou um pássaro atencioso, eles conversaram durante horas e no fim da noite ela só queria encontrá-lo no outro dia para continuar a conversa. Todos os dias eles se encontravam e a cada dia ela descobria o quanto ele era indispensável para o fim do seu tédio.
Ela já tinha um mês de vida e com sorte viveria mais dois, que seriam vividos ao lado do pássaro. Ele não apareceu naquela tarde e ela achou estranho, preocupou-se, e se algum menino malvado o tivesse acertado com uma pedra enorme? Passou o dia em pânico e ansiosa para que o amanhã chegasse, ele aparecesse e explicasse que havia tido qualquer imprevisto bobo.
Ele não apareceu no dia seguinte e nem nos próximos.
Aquela criatura tão miúda, tão frágil, ficou adoecida, permaneceu enrolada durante dias, não sugava mais o néctar e não via graça em voar. Aliás, pensou em voar e colidir em algum tronco.
Enfim, decidiu estender as asas e se distrair em meio à natureza. Saiu sem direção e reencontrou o pássaro. Ela tinha no máximo mais um mês de vida e já começou a fantasiar coisas que poderiam fazer durante esse tempo. Eles se encontraram durante uma semana e novamente o pássaro voou para longe.
A triste borboleta não se enrolou nas próprias asas. Dessa vez ela já não estava iludida e sabia que o pássaro voava mais rápido do que ela, que nunca poderiam seguir o mesmo ritmo e que seu modo de vida não se adaptava ao dela (tudo porque ele não a amava).
A borboleta permaneceu triste até o seu fim, viveu exatamente três meses, nos últimos tempos calada e introspectiva em seu próprio mundo devastado por um amor limitado a cicatrizes.

domingo, 21 de outubro de 2012

E COMO DIZEM POR AÍ: ... É A VIDA!


Mais uma vez ela acordou, tomou o seu café matinal e não teve vontade de fazer mais nada, quis voltar para o seu quarto e chorar até as lágrimas secarem. O seu desejo foi atendido e lá estava ela em seu quarto, sozinha, agoniada, angustiada, mas sem conseguir derramar nem uma lágrima. Da última vez ela havia chorado tanto que devia ter esgotado a sua reserva de água salgada.
Passou o dia ali e ninguém sentiu sua falta, se dormisse para sempre ninguém a procuraria. E o que ela poderia fazer para chamar a atenção? Ela não queria muito, não precisava que o mundo a visse, mas uma única pessoa, aquele que mesmo sendo todo errado, tornou-se certo no momento em que todos os seus pensamentos voltaram-se para ele.
Sentir não é nada bom. Você apenas sente e não controla. Você não pode obrigar ninguém a sentir o mesmo, não pode responsabilizar ninguém pelo seu sofrimento, nem a você mesmo. Ninguém sente porque quer e sim porque se envolve e quando viu já está perdido em um mundo em que gostar não é bom, porque é dorido, é cansativo e é solitário.
Ela não quis procurar ninguém para desabafar. Todos já estavam cansados de sempre ouvirem a mesma história, de sempre a verem se afogando em um mar de emoções e darem conselhos que de nada adiantavam. Ela também estava cansada de conselhos que não amenizavam em nada o seu sofrimento.
Amanhã ela teria que trabalhar, encarar aquela rotina banal, dar aquele sorriso vazio e depois voltar para casa, esperar a hora de dormir para finalmente descansar da realidade, tão vazia, tão incompreendida e tão incoerente.
Ela só queria dormir e sonhar com ele a abraçando como naquele dia. Aquele dia que poderia ter impulsionado outros dias felizes, mas só trouxe posteriores desilusões e um grande “sad end”.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

DESEJO E PERIGO

 
FICÇÃO: UM RETRATO HISTÓRICO
 
Ainda nos dias atuais a China sofre com os impactos sofridos pela invasão do Japão em 1937, eles guardam grandes mágoas e ressentimentos, até mesmo reclamam do pedido de desculpas que o Japão não manifestou.
A segunda maior economia do mundo, a China, é comandada pelo Partido Comunista da China, ou seja, um partido único totalitário, que dita as regras no maior país da Ásia Oriental.
O pensador russo Mikhail Bakhtin mostra-nos o texto como um diálogo sociocultural conduzido pelo texto. Nenhum texto surge do nada, ele é embasado por situações sociais da época em que foi escrita e, também, pela época em que está sendo lida.
Sabemos que muitos diretores escolhem produzir um filme de época para falar do próprio presente, até mesmo para fugir da censura. Ang Lee, um diretor chinês, que ficou em evidencia com as produções americanas, como “Hulk” e "O Segredo de Brokeback Mountain", volta ao seu país de origem para tratar de questões que construíram a história da China e que evidentemente refletem na vida contemporânea dos chineses que vivem suas vidas sem realmente pensarem em como chegaram à situação atual do país.
Para levantar essas questões Lee relata que sua intenção era produzir um filme para que as novas gerações que não viveram sofrimentos políticos passados pudessem entender um pouco da história de suas origens. Logo, entendendo o passado podemos compreender o presente.
A obra que ilustra tudo isso é “Desejo e Perigo”, uma adaptação da obra literária “Se, jie”, de Eileen Chang, uma escritora muito popular na comunidade sino-americana. A autora do livro, que levou mais de 30 anos para finalizar a obra, tem muito em comum com a obra, já que viveu na China ocupada pelos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial, foi casada com um colaborador do governo japonês, sofreu com a infidelidade do marido e interrompeu seus estudos na Universidade de Hong Kong para voltar a Xangai, temas vistos em seu livro. Afinal, para produzirmos arte é necessário buscarmos inspiração para na vida, sendo na que vivemos ou na qual observamos.
Diante desses embates “Desejo e Perigo” narra a história de Xangai ocupada pelos japoneses, por meio de estudantes universitários, que iniciam a obra como artistas e acabam como revolucionários, coisas não muito distantes, já que a arte é usada como meio de protesto, manifestação do descontentamento tanto da alma quanto do contexto sociocultural. Não é por acaso que as efervescências artísticas ocorrem em períodos difíceis, como os tempos de guerra.
Os chineses foram bombardeados cruelmente pelos japoneses, sofriam de todas as maneiras, faltavam-lhes produtos, saques nos bancos eram controlados, entre mortos e feridos.
É nesse contexto que o filme de Lee trabalha na luta de jovens estudantes que se inicia em 1939, dois anos depois da ocupação e percorre até 1942. Demos atenção a jovem Wong, que de garota tímida, deixada pelo pai que vai para a Inglaterra e órfã de sua mãe transforma-se em um exemplo de femme fatale, típica do cinema noir, que segundo o crítico francês Nino Frank (1946) trata-se de filmes densos, escuros, surgido em meados dos anos 1940, época da grande depressão nos Estados Unidos. Fazem parte do estilo filmes policiais que se passam em um mundo cínico e antipático, outros derivados dos romances de suspense da época, ficção policial e detetive. A femme fatale é uma mulher poderosa que vive nessa atmosfera e surge para destruir o homem.
Wong tem a missão de destruir um colaborador do governo japonês, um homem frio, cuja profissão é matar. Ela aceita a missão depois de atuar em uma peça e ter seu momento epifanico quando toda a platéia interage com sua personagem em um coro que diz “A China não sucumbirá”. Tomada por essa euforia de poder transformar a situação horrenda em que vivem, contribuindo de algum modo para vingar-se de um inimigo, ela aceita entrar para um grupo de revolucionários amadores, que de inicio têm o plano frustrado, mas que após três anos juntam-se novamente, agora com auxilio de um grupo da resistência. A garota que diz estar vivendo três anos de vazio interior aceita fazer uma nova tentativa e infiltra-se novamente à família do Sr. Yee, o colaboracionista em foco.
Tornando-se amiga da esposa de seu inimigo ela passa os dias jogando majong, cenas que expressam a tensão de Wong e também do período em que vivem.
  
O RETRATO FEMININO NA HISTÓRIA
 
Tratemos da figura feminina nesse contexto, representada por Wong, que mesmo sendo obrigada a transformar-se em uma mulher forte e racional passa por momentos em que a guerra deixa de ser da China contra o Japão e passa a ser a guerra dos sexos, o homem contra a mulher.
A mulher reprimida e inferiorizada na sociedade é representada nas artes, em um diálogo entre textos, ou seja, uma conversa entre épocas, onde se muda a roupagem, mas continuam os mesmos conceitos da sociedade patriarcal.
Por meio dos estudos culturais, onde as analises vão desde o pós-coloniais às opressões culturais, incluindo os estudos sobre gênero, diferenças, feminismo, machismo, homossexualidade, teorias marxistas sociais, crítica das práticas tradicionais da política, da antropologia, da literatura e da estética, implicações de temas como o utilitarismo, o estruturalismo, o culturalismo, as culturas populares, as metaficções, o pós-modernismo, vamos discutir a representação da mulher na tela do cinema. É sabido a que imagem estética feminina sempre criou um mundo cruel para a mulher, onde ela se submete a sacrifícios para agradar uma sociedade masculina.
Para se aproximar de Yee, Wong muda a sua aparência natural, tornando-se mais atraente no ponto de vista social, representando a exigência que a mulher é imposta de criar uma imagem padronizada de beleza, pois assim será possível atrair o homem que também se rende a mulher produzida em série, como embalagens de produtos em prateleiras de supermercados.  
A garota que até então era virgem deve tornar-se experiente sexualmente para saciar os desejos sexuais do inimigo. Nesse contexto podemos observar que o amor pela causa torna-se maior do que o amor próprio, desrespeitando o próprio corpo pelo desejo de vingança.
São nas cenas de sexo que Wong surge de uma maneira omissa ao desejo masculino. As cenas representam não apenas a violência sexual imposta pelo sujeito que impõe sua presença, mas também metaforicamente os outros contextos em que a mulher é exposta a inferioridade perante o homem.
Mesmo quando Wong está sendo violentada ela permanece sem voz. O silêncio da personagem mostra-nos o silêncio que as mulheres foram forçadas a viver durante séculos na história. Para que a mulher fosse considerada uma boa esposa, seu maior papel na sociedade, era necessário que ela fosse omissa. A mulher que não seguisse esse padrão era forçada a se calar. A boa esposa era aquela que vivia silenciada pela opressão. Mesmo estando viva e sentindo vontade de gritar era obrigada a permanecer no silêncio. Lee representa isso na tela na figura da amante que mesmo planejando a morte do individuo aparece em muitos momentos calada por ele.
No Ocidente a mulher sofreu muito com a imposição masculina e ainda sofre, mas no Oriente as conquistas femininas foram menores e a representação de Wong não se limita apenas a uma ilustração do passado, mas sim um reflexo do mundo patriarcal em que ainda é possível observar.
Podemos citar o que Cristiane Busato Smith, diz em seu artigo, “O lugar do corpo feminino na comédia musical dos anos cinqüenta:  
 
“É senso comum afirmar que a indústria do cinema é um locus propício para o voyeurismo masculino. Assim, filmes de gêneros diversos cumprem o importante papel de re-presentar os desejos, os fetiches e as fantasias masculinas, uma vez que a mulher, invariavelmente, figura como objeto.” (p.01)  
 
A figura feminina na obra cinematográfica em debate desempenha, justamente, o papel de objeto, ela está ali apenas representando os desejos, os fetiches e as fantasias de um homem frio e autoritário.
Essa ideia de objeto, ainda pode ser tratada a partir do que Laura Mulvey, nos diz no artigo "Prazer visual e cinema narrativo", onde o masculino projeta sua fantasia na figura feminina e a mulher é exibida na tela emitindo um impacto erótico, ou seja, está ali para ser olhada. Ela desempenha o papel de congelar a narrativa, provocando o fascínio do espectador, por meio do prazer que ele sente em usar outra pessoa como objeto de estimulo sexual através do olhar.
Wong representa a mulher contemporânea que transita entre a independência e as raízes conservadoras da sociedade patriarcal. A mulher da atualidade trabalha fora, mas deve conservar o padrão de mantenedora do lar. A personagem de Lee é uma estrategista que deve trabalhar em beneficio de um bem maior, mas demonstra-se fragilizada em alguns momentos entregando-se aos sentimentos.
Entregar-se aos sentimentos nem sempre é uma escolha inteligente, pois o sujeito torna-se vulnerável. O amor é paradoxal, já que tem o mesmo poder para construir e destruir.
A mulher como figura/imagem dialoga constantemente com a história da humanidade, aonde a mulher vem sendo vulgarizada e diminuída perto da imagem masculina. Wong se entrega aos sentimentos, enquanto Yee permanece agindo friamente. Isso também é uma maneira de representar a inferioridade da mulher que não consegue ser racional, mostrando uma mulher que não pode ser confiável em assuntos importantes, como os políticos, já que os sentimentos podem atrapalhar algumas decisões que não podem ser emotivas.
Mas será que esse pensamento é realmente correto? Se Yee tivesse dado vazão aos sentimentos o percurso poderia ter sido outro e destinos poderiam ter sido alterados. Porém, a masculinidade deve ser expressada por um personagem solitário, angustiado baseado no conceito “Tough and Sensite” (Durão e Sensível). Mesmo sofrendo com sua decisão Yee continua sendo “durão” e decide viver em sua solidão causada pelas suas escolhas e imagem que resolveu representar em uma sociedade machista.

 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
            A análise do filme “Desejo e Perigo” de Ang Lee nos possibilitou observarmos como o diretor usou da sétima arte para representar uma Xangai dos anos 40 que sofreu com a ocupação do Japão e até hoje sofre com os impactos socioculturais deixados pela guerra.
            Percebemos homens (agora sem diferença de sexos) entre o amor, o prazer, a sedução, a traição, a razão e a emoção.
            O sexo ilustra a guerra dos gêneros, homem e mulher, dos inimigos, colaboradores e resistentes.
Dessa forma, podemos concluir que Ang Lee produz uma obra histórica focada no conflito entre o que você deve fazer e algo interior que você tenta reprimir.
 
 
REFERÊNCIAS
 
Spence, Jonathan D. - Em busca da China Moderna: quatro séculos de História. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

SMITH, Cristiane Busato. O lugar do corpo feminino na comédia musical dos anos cinqüenta.

Xavier, Ismail. A Experiência no Cinema. Rio de Janeiro. Edições Graal: Embrafilme, 1983.


FILME:

DESEJO E PERIGO (Lust, Caution), de Ang Lee, EUA/China, 2007.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

BRUISES


E para esquecer ela foi escrever, mas ela não queria rimar, só queria desabafar sobre qualquer coisa banal que a distraísse, que a deixasse longe daquela rua em que se beijaram pela primeira vez, daquela praça em que brigaram pela segunda vez e daquela página da internet que ela tinha vasculhado pela terceira vez nos últimos vinte e dois minutos, só para saber se ele havia compartilhado algum link inútil em que ela tentaria encontrar uma relação entre o que aconteceu com eles.
Não era um texto para ele, não era sobre ele, era sobre os seus desejos secretos, seus prazeres ocultos, seus sonhos simplórios, seus pensamentos travessos, era egocentrismo em palavras, era sobre ela e sobre o que ela mais queria naquele momento, que ele cuidasse das suas cicatrizes.
Ela se lembrou do dia em que rolou em uma descida e foi parar no hospital toda ensanguentada, mas não ligou, porque tinha mais sangue no seu coração do que no joelho que levava pontos na mesa de operação. Ficou uma cicatriz, seu joelho nunca mais seria o mesmo, teria aquela marca escura, que a faria lembrar-se daquele dia, como se lembraria de todos os seus amores, que deixaram cicatrizes em seu coração.
Muitos garotos haviam marcado a sua vida, muitos amores desfeitos e muita torta de amora para curar a bad. O último doía mais, só porque ainda sangrava, mas logo ficaria só a marca do soco que levou no peito.
Não importa, há sempre um amigo para te levar para o hospital ou para ouvir seu chororô sem sentido.
Ela não queria ficar insistindo em assuntos amorosos que sempre levam a remorsos: como deveria ter sido, como deveria ter feito, como deveria ter esquecido. Desse jeito ia parecer uma menina chorona, deveria manter a sua fama de durona, amores são descartáveis, usamos e jogamos fora, era como ela sempre dizia, mas não se convencia.
Percebeu que não falava de coisas banais e que os sentimentos estavam sempre presentes, aquele texto mais uma vez falou sobre o tal amor, o clichê que todo mundo critica, mas todo mundo vive, compram balões coloridos e buquês gigantes e caminham orgulhosos pelas metrópoles, atrapalhando os cidadãos que andam apressados para logo chegarem em casa e encontrarem seus companheiros, para contar sobre o dia e pegarem no sono abraçados com um leve sorriso de contentamento, de bobo apaixonado.

MENSAGEM DE TEXTO


            Ela tomava uma cerveja no bar, tomava duas, tomava três e por aí foi. Sabe como é, toma uma, toma duas, toma três e quando viu já tomou...
            Naquele dia a caminho do bar passou em uma banca e adivinha...! Comprou uma recarga para o seu celular. Depois de algumas cervejas resolveu ligar para seu ex-affair (é claro). Não tinham sido namorados, haviam se acostumado com a presença um do outro e foram levando por um tempo, até que ele achou que era melhor não se verem mais e ela para parecer legal concordou.
            Discou e desligou na primeira chamada. A besteira estava feita, indiferente de ter desligado, ele veria o seu número no identificador de chamadas. Droga de tecnologia! Enfim, já estava tudo perdido mesmo, ela iria mandar uma mensagem. Mandou! Estava sozinha, queria ocupar o tempo com alguma coisa naquela mesa de bar vazia, a única vazia, já que todas as outras estavam ocupadas com casais sorrindo, bêbados e momentaneamente felizes.
            Ela recebeu uma nova mensagem, seu coração disparou, pediu mais uma cerveja, precisava tomar coragem para abrir a resposta. Ele podia estar xingando, mas porque a xingaria? Por gostar dele? Por não conseguir esquece-lo? Os homens são instáveis, talvez ele tivesse se arrependido e quisesse vê-la. As múltiplas hipóteses dançaram pela sua mente. A inquietude tomou conta de si, transparecendo em seu corpo, suas mãos tremiam e seus pés batiam no chão de madeira (não sei por que dizer que o piso era de madeira, mas achei que ficaria mais bonito).
            A cerveja chegou, ela matou aquela garrafa com tanta rapidez que não conseguiu se reconhecer, não era de beber tanto.
            Enfim, abriu a mensagem que dizia:
“Sua recarga foi efetuada com sucesso, aproveite nossas promoções.”

domingo, 7 de outubro de 2012

SEAMS - O COSTURAR CINEMATOGRÁFICO

 
            O “média-metragem”, Seams, foi o primeiro trabalho cinematográfico do diretor e roteirista Karim Aïnouz, produzido entre o período de 1989 a 1993 e que faria um paralelo com seus filmes posteriores (principalmente, com "Viajo porque preciso, volto porque te amo"). Na época ele estava morando nos EUA e sentiu a necessidade de visitar a família (composta por mulheres) no Brasil, para colher imagens em Super 8 mm, com o receio de que não tivesse mais a chance de vê-las. 
            O que começou com uma coleta de dados, uma espécie de diário intimo motivado por uma relação de afeto, logo tornou-se um projeto audacioso. Karim que se encontrava em um contexto em que a política sexual (AIDS) estava sendo absurdamente debatida em Nova York, decidiu que as imagens das mulheres da sua família poderiam comunicar algo, e a partir das dificuldades, experiências e senso de humor dessas senhoras, criou um filme em que usa elementos típicos do documentário, como a voz over e os depoimentos que relatam três histórias e elementos ficcionais com imagens “roubadas” de contextos diversos.
            É interessante saber que a tradução de Seams em português entende-se como “Costurar”, uma homenagem a sua mãe que ao ser deixada pelo marido tornou-se costureira para ser a mantenedora absoluta do lar.
            A imagem do algodão vista na película, faz referência ao cabelo branco da avó, ao ciclo de algodão no Ceará e ao tear que também chama a atenção para a fofoca que ocorre entre elas durante os depoimentos. A imagem do tear, ainda, aparece de modo mais explicito nas imagens gravadas em uma instalação (de uma amiga de Aïnouz).
         Segundo Karim, Seams funciona como um documento da condição da mulher do século XX, podendo ser visto, claramente, nos depoimentos de mulheres que sofreram, enfrentaram e se adaptaram a um contexto em que ser mulher era especialmente conturbado.
            É relevante saber que as senhoras não viram o filme, por escolha de Aïnouz, que no momento acreditou ser desnecessário que elas tivessem consciência da exposição em que foram inseridas.

  • Texto produzido durante o Workshop com Karim Aïnouz - Ficção Viva II